Será verdade que as obras nas ribeiras foram o factor determinante para evitar um novo ’20 de Fevereiro’?
Políticos e técnicos divergem sobre o principal motivo das consequências relativamente ligeiras da passagem da tempestade 'Óscar' pela Madeira.
Desde a última semana, várias vozes do Governo Regional e deputados do PSD têm vindo a público destacar o facto da tempestade ‘Óscar’ ter trazido mais precipitação do que a aluvião de 20 de Fevereiro de 2010, mas que as suas consequências foram bem mais ligeiras, apontando as obras realizadas nas ribeiras como um factor muito importante e até mesmo determinante para esse resultado. Será verdade que as obras foram agora o factor fundamental que evitou uma nova tragédia?
Ainda esta manhã, no parlamento regional, o deputado social-democrata Carlos Rodrigues fez uma intervenção a destacar a boa resposta das infraestruturas da rede de ribeiros e ribeiras e, também, da protecção civil e outras entidades, além da população, que teve "um comportamento exemplar", apesar das chuvas serem superiores às de 20 de Fevereiro de 2010. Esta comparação com os níveis de precipitação e os estragos registados há 13 anos esteve presente em várias outras declarações e artigos de opinião feitas por políticos nos últimos dias, como foram os casos dos secretários regionais Pedro Fino e Pedro Ramos, do deputado Nuno Maciel ou do chefe de gabinete da Presidência Medeiros Gaspar, só para citar alguns. O mais ousado na avaliação dos motivos que justificam as consequências relativamente ligeiras causadas pela tempestade ‘Óscar’ foi o director de serviços das Comunidades, Migrações e Cooperação Económica, Sancho Gomes, num artigo de opinião no JM: “Apesar dos recordes de precipitação nas serras da capital, as aluviões foram evitadas. Sublinho esta ideia: EVITADAS. Foram evitadas de facto, pela acção do Governo, quer pelo que tem sido feito desde 2010, quer pela acção competente e atempada durante a tempestade que nos assolou”.
É compreensível e expectável que o discurso dos responsáveis políticos vá no sentido de destacar os méritos da sua acção e das suas medidas. Mas a verdade é que os técnicos apontam para outro motivo principal para o facto de a Madeira ter aguentado bem a passagem da tempestade ‘Óscar’: a quantidade de precipitação foi efectivamente mais elevada do que no 20 de Fevereiro, mas foi distribuída num período de tempo mais longo, o que permitiu o escoamento das águas, sem nunca se atingir os limites de capacidade dos ribeiros e ribeiras.
O delegado na Madeira do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), Vítor Prior, explicou as diferenças dos dois regimes de precipitação: “No 20 de Fevereiro começou a chover às 06h00 ou 07h00 da manhã e acabou mais ou menos às 14h00. Agora, a precipitação foi distribuída ao longo de 24 horas. No 20 de Fevereiro tivemos máximos horários de 70mm numa hora, valores excepcionalmente altos de precipitação. Podemos dizer que foi precipitação violenta. No Funchal foram registados valores horários na ordem dos 40 mm. A intensidade da precipitação no 20 de Fevereiro foi muito maior. O limite do aviso laranja foi ultrapassado tanto no Funchal como no Areeiro. Agora o limite horário dos 40mm de aviso vermelho não foi atingido no Funchal. Foram valores muito mais baixos. O maior valor registado agora foi 38,8 mm no Areeiro numa hora. Comparado com 70 mm [no 20 de Fevereiro] é bastante diferente”. O mesmo responsável lembrou que o temporal de 2010 ocorreu numa altura em que tinha chovido nos meses e dias anteriores, quando os solos já se encontravam saturados de água, o que não se verificou agora.
“Caiu muita água, mas não caiu da mesma forma”, reconheceu o director do Laboratório Regional de Engenharia Civil (LREC), Pimenta de França. Os geólogos Domingos Rodrigues e João Batista emitiram opiniões no mesmo sentido.
O tipo de precipitação que causa mais problemas é o de grandes intensidades de precipitação num curto período de tempo. E foi o que aconteceu há 13 anos atrás. Este tipo de eventos com bastante precipitação num curto espaço de tempo são bastante mais nocivos, porque provocam mais escorregamentos, o impacto é mais violento e o poder erosivo é muito maior. Este [evento meteorológico da semana passada] foi um pouco acima do normal, tanto é que choveu bastante, mas as consequências são bastante menores Domingos Rodrigues, geólogo.
É de sublinhar que os técnicos dão nota positiva à cultura de protecção civil revelada pela população madeirense e à intervenção do Governo Regional, designadamente no alerta atempado aos cidadãos, no fecho das escolas nos períodos mais críticos de precipitação, nas intervenções nos canais de água e nas acções para mitigar os escorregamentos de materiais sólidos. No entanto, deixam claro que o factor determinante para as consequências relativamente ligeiras foi o regime de precipitação.