Actual e ex-bastonários acusam Governo de ataque político a advogados
A atual bastonária dos advogados rodeou-se hoje de antecessores para mostrar a unidade da classe contra a proposta de revisão dos Estatutos da Ordem dos Advogados (OA), que consideram um ataque político com motivações por explicar.
Fernanda de Almeida Pinheiro teve hoje ao seu lado em conferência de imprensa na sede da Ordem em Lisboa os ex-bastonários António Marinho e Pinto e Guilherme Figueiredo, e declarações escritas de Elina Fraga e Rogério Alves, impossibilitados de estar presentes, mas todos em sintonia "no repúdio" à proposta de revisão dos estatutos do Governo e que, disse a bastonária, o Ministério da Justiça "recusa retirar de cima da mesa".
Entre os pontos que os advogados recusam aceitar estão a abertura de atos próprios da profissão a quem não seja advogado, o que consideram por em causa a segurança jurídica dos cidadãos, como a questão do aconselhamento jurídico, que passa a poder ser praticada por não advogados.
A bastonária, que ao início da tarde esteve reunida com a ministra da Justiça para discutir a revisão dos estatutos - num encontro "que correu mal" e em que a ministra quis passar a ideia de que Fernanda de Almeida Pinheiro e o seu Conselho Geral "não tinham entendido" o que estava na lei - criticou que um dos argumentos usados para legitimar a procuradoria ilícita tenha sido o de ela existir.
"Nós convivemos há demasiado tempo com a procuradoria ilícita que grassa por este país e não a combatem de forma eficaz e é pena porque se a combatessem de forma eficaz não tinham agora de vir dizer que estão a legalizar algo que sempre aconteceu, como se isso fosse desculpa para nós largarmos o combate a uma atividade que é ilícita. O mau aconselhamento jurídico prejudica gravemente os cidadãos e pode ter consequências muito graves", criticou Fernanda de Almeida Pinheiro.
Se a bastonária criticou as "opções políticas" do Governo em relação a esta matéria, o antigo bastonário Marinho e Pinto não teve dúvidas em afirmar que "obedecem a interesses ocultos" e que o executivo tem que explicar aos portugueses uma alteração legislativa que lhes retira proteção e que pretende "transformar a sociedade portuguesa numa lei da selva", em que impera a lei do mais forte.
"O Governo em vez de procurar melhorar os serviços que são da sua competência está a abandalhar as profissões liberais cedendo a uma onda liberalizadora incompatível com a matriz social-democrata. (...) O PS está a transformar-se num partido neoliberal sem balizas éticas", acusou o ex-bastonário, que disse que o partido e o Governo têm de justificar as medidas e explicar a quem é que elas beneficiam e quais as vantagens para os cidadãos.
No mesmo sentido, Guilherme Figueiredo acusou o PS e o Governo de quererem "assumir a tutela política das ordens profissionais" e disse que "todas as instâncias de fiscalização" estão sob a alçada do mesmo partido, o PS, "o que é grave".
Marinho e Pinto quis ainda deixar "uma nota contra o cinismo de se dizer que se despenaliza [a procuradoria ilícita] porque sempre se fez", desafiando ironicamente: "Despenalize-se a violência doméstica, então".
Fernanda de Almeida Pinheiro voltou a criticar que a proposta do Governo tenha sido apresentada ao final do dia de quarta-feira com prazo de resposta de 48 horas úteis, face aos feriados pelo meio, e disse que nada justifica "a pressa" com que o Governo quer concluir o processo de revisão dos Estatutos, nem sequer o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), que apenas exigia a regulamentação das sociedades multidisciplinares, "e isso está feito".
Perante o desacordo com o Governo, os advogados avançam com os protestos e formas de luta aprovados em Assembleia-Geral Extraordinária no início do mês, assim como com queixas em instâncias europeias, tendo a bastonária afirmado que em relação "às questões fundamentais o Ministério da Justiça não tem abertura absolutamente nenhuma", o que dificulta um acordo.
Os estatutos das ordens profissionais estão a ser revistos na sequência da alteração da lei que regula estas instituições, algumas das quais já se manifestaram contra as mudanças, entre elas a OA, que já manifestou disponibilidade para lutar e utilizar "todos os meios ao dispor", nomeadamente "parar a justiça", para protestar contra a proposta do Governo, que considera violar os princípios do Estado de Direito.