Crianças, jovens e encruzilhadas
A narrativa do Dia do Pentecostes descreve uma das multidões multiculturais do Império Romano preservadas por S. Lucas. Em Jerusalém reuniram-se povos, nações e línguas de toda a bacia do Mediterrâneo e de fora das fronteiras do império. Percorreram a rede de estradas que os Romanos estavam a construir e as vias marítimas, em caravanas de camelos, cavalos, carros, barcos a remo e à vela. Por grandiosa que fosse não se compara com as de hoje e com a da JMJ em Lisboa, de 4 a 6 de Agosto, com peregrinos de muitas dezenas de países dos cinco continentes e de todas as idades. Deslocam-se a pé e por todos os meios de transporte atuais, por terra, mar e ar. Nela, em vez de Pedro, falará o Papa Francisco.
Estes cenários levam a pensar nos problemas atuais das encruzilhadas, não apenas de estradas, mas de todos os tipos de caminhos. As crianças e os jovens, tantas vezes por falta de adultos sábios e experientes, estão sujeitos a enveredar por desvios perigosos e a cair em armadilhas irremediáveis. Impossível dar uma ideia dos caminhos e desvios atuais. Mais agradável falar dos caminhos acertados pelos quais as crianças e jovens tanto precisam de ser guiados. Uns são de trevas, outros de luz, a oferecerem-se, às centenas, nas encruzilhadas culturais omnipresentes. Vão desde as propostas mundiais dos templos satânicos aos caminhos de desenvolvimento, conhecimento, espiritualidade, bem-fazer e felicidade. Nas religiões satânicas legalizados (nos EUA, por exemplo) não faltam coros de ruídos de blasfêmias a desafinar ódios, raivas e vinganças. Abertos a crianças, há cada vez mais encruzilhadas de libertinagem a que muitos chamam liberdade. Nelas, algumas, abandonadas ou vendidas pelos pais, são encaminhadas para becos e armadilhas donde provavelmente não sairão tão depressa. Nem faltam as emboscadas, as armadilhas com nomes aliciantes de direitos das crianças nos primeiros anos de infância. Algumas, quando os pais não estão por perto com o seu amor e solicitude paternal, abrem a porta a vítimas de abusos sexuais de pedo-criminosos, prostituição comercial, escravidão sexual. Da armadilha de algumas drogas sintéticas, após as duas ou três primeiras tomas, muitos jovens e adultos também já não escapam. Triste! E triste também para muitas crianças a primeira encruzilhada da vida: nascer, não nascer, vida ou morte? E muitas já não escapam, nem dos pais. Vida ou morte é precisamente como começa o catecismo cristão do fim do século primeiro (Didaché) que diz no nº 1: existem dois caminhos, o da vida e o da morte, um de amor e bem-fazer, o outro de maldições.
Hoje, a IA (inteligência artificial) constitui, não uma, mas múltiplas encruzilhadas ora acertadas ora perigosas. Nela e nas redes associadas espreitam-se, ao lado de caminhos aconselhados, outros infestados de armadilhas em que muitos se vão afundando. Quando falo em armadilhas, não me saem da mente as que visitei no sul do Vietnam que eram armadas aos soldados americanos em que ficavam espetados em picos os que pusessem os pés no disfarce de ramos e folhas que as cobriam. As de algumas drogas e das redes sociais podem ser menos dolorosas, mas também mortíferas e cada vez a mais curto prazo. Ainda recentemente, um grupo de alunos de uma escola, que participou numa reunião de terapia de apanhados pelo alcoolismo, terá levado um vislumbre desta mensagem dada por aqueles que se esforçam por se libertar da armadilha.
A infância e juventude são fases da vida em que os novos são mais corajosos para acertar nos caminhos vocacionais rumo a um ideal ou aos desvios difíceis de emendar. Felizes os que são acompanhados por guias empáticos para um sentido de vida que valha a pena. Os 100 anos dos Escuteiros Católicos em Portugal propõem caminhos acertados para crianças e jovens, e oferecem percursos e guias de caminhada e desenvolvimento humano integral. Tive uma bela experiência de colaborar, como assistente, com os pais na criação do Agrupamento CNE 752 S. João de Deus, no Telhal, em 1985 (passou para Algueirão,1987).
Se me fosse permitido acrescentaria um direito a ser reconhecido às crianças e jovens. Já proclamaram tantos direitos e a tanta gente que temo que sejam contraditórios e uns anulem os outros com as ambiguidades do uso da palavra liberdade. Para fazer face às armadilhas mais perigosas as crianças teriam direito a pais íntegros que lhes respeitassem e cuidassem da vida e educação com o exemplo de uma vida coerente. A influência destes pais continua para lá da separação e mesmo do falecimento. Ficaria sempre a questão: caminhar com acerto para onde? Para uma vida de quê? Para se encontrarem com quem?
A festa do Espírito Santo é celebrada como oferta de dons de sabedoria e discernimento, oferecida para as encruzilhadas da vida. Jesus ao prometê-Lo disse que não deixaria órfãos os seus discípulos e que o Espírito Santo seria um conselheiro. E também afirmou que Ele próprio era caminho, verdade e vida. Não há como segui-Lo desde criança.
Aires Gameiro