Crónicas

Maldita “Mão Invisível”

A “mão invisível” é uma maneira de ler os mecanismos de mercado, em última análise, é a lei da oferta e da procura

1. Disco: Estes últimos meses têm sido riquíssimos em edições de bandas emblemáticas. Na semana passada chegou “ATUM”, dos The Smashing Pumpkins. Um trabalho cheio de ambição e complexidade. Billy Corgan deixa sempre saudade quando não se o ouve. Nunca deixa nada por fazer e este “ATUM” está mesmo muito bem enlatado. O álbum tem como subtítulo “A Rock Opera in Three Acts”. Épico, denso, sublime.

2. Livro: “Teoria dos Sentimentos Morais”, de Adam Smith, é um livro a que recorro com frequência. Leio um pouco e volto mais tarde. Abro ao acaso e fico-me por ali durante umas páginas. Neste belíssimo texto Smith estabelece a base moral para que um país não se torne uma nação de traficantes de poder, exploradores famintos por dinheiro e sem alma, usando as pessoas como fins económicos de modo a obter superioridade, por intermédio de uma super valorização da riqueza. Infelizmente, prestamos-lhe pouca atenção.

3. Não sou economista, mas as coisas da economia interessam-me bastante. Procuro dominar os rudimentos da ciência de maneira a conseguir perceber o que se passa à minha volta. Feito o “disclaimer”, vamos ao texto de hoje.

4. O conceito de “mão invisível” foi introduzido pela primeira vez em “Teoria dos Sentimentos Morais” em 1759, livro de Adam Smith injustamente deixado de lado quando se estuda o seu pensamento, e que usou novamente em “A Riqueza das Nações”, publicado em 1776. Volto ao assunto, porque me faz impressão o falar de cor que ouço e leio por aí.

A “mão invisível”, expressão que Smith criou e que usou por apenas três vezes nas suas obras, é uma metáfora para as forças invisíveis que movem a economia de livre mercado. Através do autointeresse individual e da liberdade de produção e consumo, o melhor interesse da sociedade, na totalidade, é atendido. A interacção constante das pressões individuais sobre a oferta e a procura do mercado, causa o movimento natural dos preços e o fluxo do comércio. Só alguém que tenha uma agenda ideológica ou emprenhe pelos ouvidos, fazendo alarde da sua incultura política, pode pensar de maneira diferente.

A “mão invisível” é uma maneira de ler os mecanismos de mercado, em última análise, e simplisticamente, é a lei da oferta e da procura. Esta abordagem sustenta que o mercado encontrará o seu equilíbrio sem que o governo, ou outras intervenções, o forcem a padrões não naturais.

A metáfora destila duas ideias críticas. Primeiro, as trocas voluntárias num mercado livre produzem benefícios generalizados e não intencionais. Em segundo lugar, esses benefícios são maiores do que os de uma economia excessivamente regulamentada.

Cada livre troca sinaliza quais os bens e serviços são mais valiosos e quão difíceis são de fornecer ao mercado. Esses sinais, captados pelo sistema de preços, direccionam espontaneamente os consumidores, os produtores, os distribuidores e os intermediários concorrentes — cada um seguindo o seu plano — para atender às necessidades e desejos dos outros.

Mas vamos a coisas práticas com um exemplo. Consideremos uma pequena empresa que enfrenta uma forte concorrência. Para melhor se posicionar no mercado, decide investir em materiais de maior qualidade para usar no seu processo de fabrico, bem como reduzir os preços. Embora possa seguir este caminho no seu melhor interesse (ou seja, para impulsionar as vendas e ganhar maior participação de mercado), a mão invisível actua de imediato, pois o mercado agora tem acesso a produtos mais acessíveis em termos de preço e de maior qualidade.

A oferta e a procura buscam o equilíbrio, a superambundância e a carência são evitados porque não interessam a ninguém. O melhor interesse de todos é alcançado através do interesse individual e da liberdade de produção e consumo.

Então onde é que está o problema, porque há sempre problemas? Nas leituras enviesadas. Os que defendem a ideia de que protagonistas egoístas e que procuram o lucro proporcionarão, naturalmente, um clima social estável e de qualidade é falsa, uma vez que se corre sempre o risco de externalidades negativas, desigualdades económicas e sociais, ganância e exploração. É humano que assim seja. A competição impulsionada pela mão invisível pode resultar em monopólios e na concentração de poder económico nada desejáveis.

Daí o liberalismo defender a regulação (pouca) e a intensa fiscalização do regulado. Desigualdade, exploração, monopólios e concentração de poder económico são distorções do funcionamento do mercado e, como tal, não aceitáveis.

Para melhorar o seu modo de ver, os detratores que entendam, de uma vez, que liberalismo e capitalismo não são o mesmo. O capitalismo é um sistema económico e o liberalismo é uma corrente politico-ideológica — que defende os mecanismos do capitalismo.

O domínio da produção leva os interessados a produzir o que é necessário e para o bem de todos. Assim, a especialização cria uma teia de interdependências, de maneira que um padeiro precisará de outros para produzir a sua casa, comida, roupas, etc.; enquanto um industrial dependerá do sapateiro para sapatos e de outros para suas roupas, comida e assim por diante. As forças do mercado, naturalmente livres, e a concorrência incentivam os produtores a produzir o que é mais lucrativo e com o menor custo, o que induz ao progresso tecnológico e à inovação, para benefício de todos.

Gostem ou não, a “mão invisível” é socialmente benéfica, por levar à produção de um bem, quando não estrangulada por regulações sem sentido. Quando há escassez de um bem, os preços sobem, o que permite aos produtores aumentar a oferta desse bem e atender à procura. Ao mesmo tempo, quando há excesso de oferta, os preços caem para atrair consumidores e aumentar a demanda.

5. Não foi Adam Smith que disse que “para qualquer sistema económico se desenvolver ao longo do tempo, deve ter um mecanismo que determine o trabalho total da sociedade em diferentes tarefas úteis”, foi Karl Marx. O criador do marxismo afirma que os preços são o mecanismo através do qual o trabalho é definido numa economia baseada no mercado. Mais precisamente, Marx pensa que uma “lei do valor” económica é, em última instância, responsável pela distribuição do trabalho. A lei do valor rege o movimento dos preços. Se o tempo de trabalho necessário para a produção de uma mercadoria diminui, então o seu preço cai; e se o tempo de trabalho aumentar, o seu preço aumentará. Portanto, os preços variam em sincronia com o tempo de trabalho. Maldita “mão invisível”.

6. É óbvio que os leitores marxistas, não fazem esta leitura. Mas não provam que não fosse isso que Marx queria dizer. Resumem-se a dizer que a intenção não era essa. Como argumento e face ao descrito, convenhamos que não vale nada.

7. Que fique claro que Marx também tem uma “mão invisível”, que determina o preço dos bens e serviços: a lei do valor trabalho. Ela explica como uma economia de mercado coordena a divisão do trabalho e que os preços das mercadorias mantêm uma relação legítima com o tempo de trabalho necessário para produzi-las. De modo muito, muito resumido, o filosofo rejeita assim o determinismo do preço das coisas, coisa defendida por muitos marxistas.