Crónicas

Talvez vá tomar um copo…

Foi cansativo escrever sobre variantes, vacinas, sobre os turistas que podiam viajar ou não

A pandemia acabou e, fosse outro o tempo, teríamos saído por aí em festas, mas o mundo deu tantas voltas que o assunto foi notícia de rodapé. Mesmo sem fim oficial há muito que se desligou o foco, foi demasiada informação sobre vírus, contágio, restrições, máscaras e vacinas. A pandemia levou dois anos das nossas vidas e nem nos deu a possibilidade de celebrar. Chegou de rompante, foi-se de mansinho.

Eu cheguei a pensar que, nesse dia, talvez fosse brindar, beber um copo, sei lá. Foi cansativo escrever sobre variantes, vacinas, sobre os turistas que podiam viajar e os que não podiam. E, durante meses a fio, ouvir todos os dias os números: os infectados, os recuperados, os internados e os mortos. Foi demasiado, agora nem para festejar o fim definitivo e oficial disso tudo serve.

Agora há o custo de vida, as rendas e as casas que só os estrangeiros podem pagar e os milhares de milhões euros engolidos pela TAP. Estamos onde melhor sabemos estar: na rotina das coisas que, de facto, nunca se concluem. A minha mãe costumava dizer que era da vida ser uma coisa mais larga do que comprida. O que havia para fazer não dava para ser feito num dia e ficava para o outro e para o outro depois desse. E de repente passava o inverno e já se estava quase Páscoa ou quase no Verão.

Eu pensava que essa maneira de viver era só da casa do Laranjal e da minha mãe. As mães nas outras casas seriam mais eficientes e os pais também. Não sei bem o que achava que seria diferente, mas teria gostado de crescer com menos confusão, menos discussões por causa das dificuldades em encontrar coisas como o rádio, as chaves e os papéis importantes. Enfim, numa família com dinheiro para planos definitivos.

Se houvesse dinheiro não estaríamos sempre em obras. Um quarto e depois mais uma sala, tudo feito com pressa por causa do fiscal da câmara; nem a minha mãe me obrigaria a usar a roupa de sair na procissão como se fosse bonito ir para a escola com um vestido de crepe. E talvez com dinheiro houvesse ordem. Os copos e os pratos seriam todos do mesmo conjunto, como a mobília e o soalho, mas nunca houve dinheiro para planos.

E embora tenha crescido com a sensação de que apenas na minha casa e com a minha família a vida era de facto uma coisa mais larga do que comprida, com poucos planos, em que os dias eram os que podiam ser, o que era possível viver, percebo agora que para os outros era mais ou menos o mesmo. Ainda é, isto de se levantar e deitar a pensar que não deu para tudo. Por muitas razões e também pelas mesmas que, lá em cima no Laranjal, no tempo do meu pai e da minha mãe, não se conseguia chegar nem a metade dos sonhos.

Era disto, da rotina das coisas que nunca se concluem. E talvez por isso vá mesmo brindar ao fim da pandemia. Foi mau e acabou, temos poucas oportunidades destas para celebrar.