Divergentes
Marcelo foi óbvio. Limitou-se a confirmar que o País dos políticos, onde o Presidente está incluído, continua a léguas do País real
Boa noite!
Perante a comunicação solene de Marcelo Rebelo de Sousa ao País - não na qualidade de comentador permanente de todas as televisões portuguesas a qualquer hora e local, faça sol ou chuva, haja gelado ou poncha por perto, mas sim na qualidade de Presidente da República claramente menos popular e mais diminuído politicamente - é possível tirar algumas ilações.
1. O diagnóstico. Marcelo Rebelo de Sousa foi severo, mas real. O País dos políticos, onde o Presidente está incluído, continua a léguas do País real, dos problemas por resolver, dos números que não chegam aos bolsos de quem não tem mãos a medir e do desespero instalado.
2. O contencioso. Marcelo Rebelo de Sousa assume uma “divergência de fundo” com o Governo, com base numa “realidade muitíssimo importante”: a “responsabilidade, confiabilidade, credibilidade, autoridade” do ministro que pediu para ser exonerado, do executivo que já não é seu aliado e do Estado que lhe escapa. Se assim é, deveria ter sido corajoso e consequente.
3. O drama. Marcelo Rebelo de Sousa que tanto acenou com a ameaça de dissolução viu-se obrigado a meter a viola no saco, para não dar lastro ao populismo, nem ridicularizar ainda mais as gentes do seu hemisfério. Quem semeia ventos, arrisca-se a colher tempestades “que não passam”.
4. O pesadelo. Face a um governo com comportamentos desviantes e irresponsáveis, o Presidente entende ser necessário estar “ainda mais atento e mais interveniente no dia a dia”. Ainda mais? Reforcem-se já as redacções dos meios de comunicação, os painéis de comentadores e os articulistas pois se até agora tem havido intervenções presidenciais em ‘looping’, a partir de hoje nada será como dantes. A vigilância permanente de quem dorme pouco deverá assim atingir níveis estonteantes. Haja farmácias de serviços e pastilhas de fartura.
5. O equívoco. Marcelo Rebelo de Sousa julgou-se único e decisivo no escrutínio severo ao Governo com maioria. Subestimou o papel da Assembleia da República, dos partidos com representação parlamentar, dos tribunais e das polícias, dos jornalistas com tempo para a investigação, bem como, a força da cidadania responsável e interventiva.
6. O tempo. Marcelo Rebelo de Sousa falou do passado e do futuro. Não trouxe presente. Nem podia. A esse nível tem pouco para dar de distinto. Mas atenção aos trunfos armadilhados que costuma usar na imprensa hostil a quem manda.
7. O tom. Marcelo Rebelo de Sousa arrasou João Galamba e o ministro não se demite, mesmo que à segunda tentativa? Que condições tem o governante para não ser frito nos inquéritos parlamentares em curso? Que legitimidade vai oferecer a quem relembrar as desconsiderações hoje proclamadas por Belém? Com que cara vai aparecer perante os potenciais interessados na compra da TAP? Com a de António Costa, também passado a ferro pelo ingerente presidencial?
8. O discurso. A opção pela estabilidade não foi consensual. Só o PSD manifestamente impreparado para a luta lhe gabou a prestação em mais uma etapa do jogo político em curso. Está quase tudo dito. Até que o Primeiro-ministro volte a falar ao País. Resta saber se de forma prepotente ou inteligente.