Terrorismo da maledicência
O título deste artigo de opinião foi por mim apropriado do Papa Francisco, por me parecer acertado ao que se passa nas redes sociais e nas caixas de comentários das notícias, onde os discursos de ódio, a maledicência, a agressividade, a difamação e os insultos são cada vez mais frequentes.
Acabamos de comemorar duas datas de grande importância na afirmação de liberdades e direitos: o 25 de Abril e o 1 de Maio. Isto lembra-nos que todos nós temos a possibilidade de opinar, criticar e de exprimir o que pensamos. Sendo que a internet e a partilha de conteúdos em rede abre um mundo de oportunidades para essa partilha. Amplia e faz ressonância da nossa voz. É um mundo de possibilidades que traz consigo um conjunto de responsabilidades, sendo as mais imediatas a urbanidade e o bom senso que tem de existir em qualquer debate de âmbito público.
O problema é que nesta praça pública virtual muitas vezes parece valer tudo. A liberdade de expressão transforma-se em ofensa e difamação, muitas vezes a coberto do anonimato. Não há respeito pelo outro e as diferenças, que é natural que existam numa sociedade tão diversa e livre, são armas numa luta desigual onde a agressividade gratuita leva a que, às tantas, já nem se saiba o motivo da discórdia. O importante é ofender, denegrir, diminuir.
Naturalmente que as figuras públicas são alvos fáceis. São mediáticos e reconhecidos. Sabemos que há sempre motivos de crítica, a crise, os preços dos bens de supermercado, uma medida política impopular, um jogo menos conseguido, uma roupa mais extravagante, e podia elencar um rol de razões. Sabemos também que quem tem essa projeção tem de ter consciência que há um preço a pagar pela exposição mediática, mas não tem de tolerar tudo, quando o objetivo não é a crítica ou o escrutínio, mas a destruição da pessoa. O fel que é derramado, além do visado ou da visada, atinge muitas vezes as suas famílias. Na verdade, acabam por ser quem mais sofre. Danos colaterais numa guerra suja onde a arma da mentira serve para bombardear sem pudor.
Nesta arena do bota-abaixo muito poucas vezes se vislumbram críticas construtivas e com argumentação fundamentada. Está tudo à espreita que o outro falhe, ou mesmo quando não falha, inventa-se um falhanço, lança-se uma mentira ou uma denúncia anónima. E contra isso, não há defesa possível. Primeiro porque quem é alvo, não tem forma de andar a responder em tantos fóruns e plataformas digitais. Em segundo, porque não há narrativa justificativa que consiga combater a má educação e a violência verbal irracional, não poucas vezes, catalogadas como atos de frontalidade e de coragem. Esses grandes valentões do teclado, equiparam-se aqueles que noutros tempos, ou no nosso tempo, em sociedades de ideologias fanáticas, apedrejam vítimas indefesas.
Por vezes penso que quem assim age, fá-lo para descarregar frustrações pessoais ou superar complexos de inferioridade. Sentem-se melhor a dizer mal dos outros ou a fazer mal aos outros. E aqui, mistura-se a inveja. Aquilo que, julgo ter sido o Padre António Vieira, a classificar como o “vício de Portugal”.
Esta intolerância, injúria, maledicência, mesquinhez e o prazer de humilhar o outro, está a aniquilar as bases democráticas e poderá originar um retrocesso no próprio direito à liberdade de expressão. A proliferação do ódio nas redes sociais e a ânsia por destruir põe em causa os próprios fundamentos que damos como garantidos da nossa organização como sociedade.
Estando em confronto o direito à liberdade de expressão e o direito à honra, caberá à justiça e aos meios de comunicação social, o assumir o papel de guardiães dos direitos e da verdade. Este último, o jornalismo, deveria reforçar a sua ação como filtro de tanto lixo, e não como acontece com alguns órgãos de comunicação social, de agir como sendo fábricas de notícias falsas. A comunicação social, o quarto poder, deve exercer o seu poder ao serviço da verdade. Felizmente, há quem ainda o faça, mesmo que com prejuízo para as suas vendas e resultados comerciais.
Numa era de proliferação do ódio, sejamos todos um poder de equilíbrio pela verdade e cortesia. Há muita mais gente que cultiva a bondade, a empatia, o altruísmo e o humanismo. São estes os valores que fazem a diferença e o mundo avançar.