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Migrações

Madeirense e diáspora parecem ser sinónimos. Ainda a Ilha estava mal povoada e já os donatários demandavam a costa de África, procurando dourar os brasões recentemente adquiridos e levando consigo as suas clientelas.

Por incrível que hoje pareça, até exportamos trigo para Lisboa. Mas foi o açúcar, antepassado das especiarias, que nos colocou nos primórdios da globalização.

Todo o sucesso tem o seu preço. O nosso foi uma imigração maciça, desde os mercadores florentinos (voluntários) aos escravos africanos e guanches (i  nvoluntários).

Dizem que o holandês fez a Holanda, mas também o madeirense fez a Madeira – aquela que conhecemos. E, levantados os poios (socalcos, para os não ilhéus), talhadas as levadas, acabadas as exíguas terras, só restava partir. Primeiro os técnicos do açúcar, depois os aventureiros e os deserdados da sorte.

Até hoje. Continuamos a exportar os nossos cérebros e os nossos braços, num misto de exportação de saber, de inquietação e de fome.

Será isto uma fatalidade?

Ao ver a entrada de regressados das ex-colónias e da Venezuela, bem como os novos imigrantes que nos chegam do Brasil ou da Ucrânia (mesmo antes da guerra), dir-se-ia que, afinal, cabia mais gente nesta Ilha.

Entre os que partiram, há sempre recordações amargas de falha de integração noutras sociedades; entre os que chegam, o mesmo sentimento, por melhores que sejam as nossas boas intenções.

Talvez uma forma de abordar este tema seja através das palavras do argelino Kamel Daoud: a pergunta que devemos colocar a nós próprios não é: porque sou mal acolhido; mas é: porque parto, porque deixo a minha terra?

À fatalidade da emigração, junta-se agora o novo fenómeno da imigração, impensável há duas décadas.

E aí temos as nossas cidades invadidas por gente estranha.

Voltemos uns séculos atrás, quando Portugal se lançava numa aventura que teve como resultado a primeira globalização.

Fernão Lopes (1380-1460), o célebre cronista do século XVI, referiu-se a Lisboa como “a grande çidade e de mujtas e desvairadas gentes”. Isto antes do boom do açúcar e das especiarias, mas parece que, à data da morte de Infante D. Henrique, já na capital do Reino se esboçava a tal globalização.

Só que parece que nessa altura isso era considerado uma benesse, e hoje parece uma ameaça, para não dizer uma maldição.

O que mudou?

Talvez a explicação esteja numa pretensa cultura, tipo antiguidade feita por medida, criadora de mitos ao longo de meio século de dirigismo intelectual, que se julgavam extintos e que agora renascem, e que foi tão bem descrita por Sophia de Mello Breyner Andresen:

O velho abutre é sábio e alisa as suas penas / A podridão lhe agrada e seus discursos / Têm o dom de tornar as almas mais pequenas.