A Madeira está no top-3 de 234 localidades europeias que mais cresceram nos últimos anos?
É um facto ou uma ficção? A 24 de Maio, o DIÁRIO noticiou que o secretário regional de Economia, Rui Barreto, relevou um "relatório da Comissão Europeia que coloca a Madeira entre as três primeiras regiões da Europa que mais cresceram nos últimos anos, num levantamento que abrangeu, precisamente, 234 localidades europeias". Fomos à procura do estudo. E eis as conclusões.
Na referida notícia, o governante desafiava o Município de Machico a conceder novos incentivos fiscais para atrair mais investimentos para o Parque Empresarial, depois de já o ter feito aos autarcas de Santana, São Vicente e Porto Moniz, em nome da Madeira Parques Empresariais (MPE), organismo que tutela.
Entende que este seria "mais um passo importante no reforço dos atractivos dos parques empresariais geridos pela MPE, contribuindo para que surjam novos investimentos no concelho de Machico, fixando empresas e famílias, gerando riqueza local e regional e, acima de tudo, criando emprego”.
O governante dizia estar optimista quanto à decisão que será tomada pelo executivo liderado por Ricardo Franco para que "seja concedida uma isenção de todas as taxas municipais para a instalação de unidades no recinto da MPE" e, assim, "sempre que esteja em causa o licenciamento ou autorização de construção e utilização de edifícios destinados a unidades empresariais a instalar no parque sedeado naquele concelho, seja concedida uma isenção em 100% das taxas previstas no Regulamento Municipal de Urbanização, Edificação e Taxas".
"Estamos em crer que o senhor presidente da autarquia e restante vereação serão sensíveis ao pedido que foi feito e acredito que irão responder afirmativamente, aproveitando, também, o bom momento que a economia regional atravessa", acrescentou Barreto, surgindo aí a referência ao referido estudo da Comissão Europeia.
A fonte que diz que "a Madeira encontra-se no Top 3 das regiões que mais progrediram em termos de competitividade na União Europeia", é o 'Índice de Competitividade Regional'. Ora, o referido estudo foi publicado em Março e divulgado pelo jornal Público, e também noticiado pelo DIÁRIO na edição do dia 4 de Abril.
"O retrato do país é pouco favorável, mas a Madeira está entre as regiões que mais evoluíram a nível europeu", escrevíamos na página 6 dessa edição. "O relatório dá conta de que a Área Metropolitana de Lisboa é a única região NUT-2 do país acima da média europeia, e pese embora a Madeira tenha crescido, encontra-se ainda na posição 181, a par do Alentejo. Quanto aos Açores, continuam na cauda da lista, ocupando o 234.º lugar e perderam competitividade entre os anos 2016 e 2022, período a que diz respeito o estudo". Aqui reside a primeira imprecisão. Mas já lá vamos.
Ou seja, o que a notícia revela é que, sim, a Madeira está no top 3 das que mais evoluíram, mas esta constatação pode induzir em erro. Isto porque em 234 a Região Autónoma da Madeira ocupa a 181.ª posição nas mais competitivas, pese embora a boa performance. Isto num índice que é medido desde 2010.
Vamos então à fonte original, a edição 2022 do 'Índice de Competitividade Regional (ICR) 2.0' da União Europeia, elaborado pela Direcção-Geral da Política Regional e Urbana, e que já vai na sua quinta edição (2010, 2013, 2016, 2019 e a actual).
O estudo começa por definir a noção de competitividade. "Segundo o Fórum Económico Mundial (FEM), a competitividade a nível nacional é o 'conjunto de instituições, políticas e fatores que determinam o nível de produtividade de um país. A nossa definição de competitividade regional é ligeiramente diferente, pois integra a perspectiva tanto das empresas como dos residentes. Competitividade regional é a capacidade de uma região oferecer um ambiente atraente e sustentável para empresas e residentes viverem e trabalharem", diz o Índice.
E acrescenta: "Essa definição equilibra as metas de sucesso empresarial com as de bem-estar social e responde, pelo menos parcialmente, à discussão 'além do PIB'. Em nossa definição, o conceito de sustentabilidade está relacionado à capacidade da região de oferecer um ambiente atraente tanto no curto quanto no longo prazo. Por exemplo, ao incluir inúmeros indicadores sobre o capital humano e a qualidade das instituições, o ICR pretende medir o potencial de longo prazo de uma região."
Partindo do quadro desenvolvido pelo FEM para o seu Índice de Competitividade Global (ICG), o ICR "adapta esse quadro e alarga-o ao contexto regional da UE, com o objetivo de captar os fatores subjacentes que sustentam a longevidade de desenvolvimento económico a longo prazo de uma região", explica. "Não pretende captar o impacto de choques de curto prazo, como a pandemia de COVID-19 ou a invasão da Ucrânia. Para evitar que a pandemia influenciasse os fatores subjacentes de competitividade, usamos dados de 2019 para determinados indicadores, em vez de 2020 ou 2021. Por exemplo, o número de voos foi muito menor em 2020 do que em 2019, então os dados de 2019 foram usados. O impacto da invasão da Ucrânia ainda não está refletido nesta edição, pois os dados utilizados são anteriores à invasão", acrescenta.
Analisando as duas imagens em formato mapa, percebe-se, primeiro, que a Madeira tem um dos Produtos Internos Brutos (PIB) mais elevados do país, mas muito longe da Europa a 27, e, segundo, que o Índice de Competitividade da Região comparada com as outras regiões do país, está longe de ser top 3, no máximo ocupa os primeiros três lugares de Portugal entre as sete regiões do País.
Nestes outros dois, o Índice é dividido por três subíndices, 'Básico', 'Eficiência' e 'Inovação', ocupando a Região o patamar 90.1 - 100.0 no primeiro, 75.1 - 90.0 no segundo e 90.1 - 100.0 no terceiro indicador. Isto resulta numa média, ou seja num Índice de Competitividade Regional 2.0 entre os 90.1 - 100.0, sendo que a categoria inferior (rosa forte) vai do menor ou igual a 50.0 e a superior (verde escuro) é acima de 140.0. Ou seja, não só não estamos no top 10 do IRC da UE-27, aliás longe disso, como também estamos longe dos 10 piores.
"O subíndice 'Básico' refere-se aos principais impulsionadores básicos de todos os tipos de economias. Identifica as principais questões necessárias para desenvolver a competitividade regional e inclui cinco pilares: (1) 'Instituições', (2) 'Estabilidade macroeconômica', (3) 'Infraestruturas', (4) 'Saúde' e (5) 'Educação básica'", enquanto que "o subíndice 'Eficiência' inclui três pilares: (6) ‘Ensino superior, formação e aprendizagem ao longo da vida’, (7) ‘Eficiência do mercado de trabalho’ e (8) ‘Tamanho do mercado’. À medida que uma economia regional se desenvolve, esses aspectos estão relacionados a uma força de trabalho mais qualificada e a um mercado de trabalho mais eficiente" e, por fim, o "subíndice 'Inovação' inclui os três pilares que impulsionam a melhoria no estágio mais avançado do desenvolvimento económico: (9) 'Prontidão tecnológica', (10) 'Sofisticação empresarial' e (11) 'Inovação'", explica-se.
Ora é precisamente as alterações registadas neste Índice, sobretudo entre 2016 e 2019, bem como face ao actual, que não permitem perceber se, efectivamente, houve uma evolução tal que catapultou a Madeira e o Norte do País para dois dos maiores crescimentos na competitividade regional entre 234 regiões europeias.
Significa também que este estudo ainda não reflecte o impacto do actual desenvolvimento económico pós-pandemia, sustentado em vários indicadores que já superam largamente os de 2019. Pelo que, apesar de bem intencionada ligação entre o estudo e o actual "bom momento que a economia regional atravessa", como referiu Rui Barreto, que fez prova disso precisamente o referido ICR. Quiçá no próximo Índice, o sexto, que poderá ser divulgado somente em 2025 ou 2026.