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Relato de uma Mãe e Mulher na Política

E são tantas as mulheres que sofrem e cedem a esta inenarrável pressão, desistindo de conciliar maternidade, carreira ou política

Ponderei muito se escreveria sobre este tema, neste espaço que me foi concedido e no qual tenho por apanágio partilhar com os leitores temas dos trabalhos em curso no Parlamento Europeu. Este é um veículo de comunicação importante para expor as grandes discussões europeias, trazê-las a debate e deixar a minha opinião ou o sentido de voto em regulamentos, diretivas ou propostas que têm um impacto real na vida de milhões de pessoas.

Sempre encarei a política como uma missão e exerço-a com dedicação e sentido de responsabilidade. Missão que só consigo cumprir com sobriedade e respeito por todos os cidadãos.

Contudo, excecionalmente, senti-me na obrigação de partilhar um pensamento pessoal que, por certo, refletirá o de muitas mulheres, que optam por ser mães, e que são prejudicadas, discriminadas e pressionadas a não prosseguir o sonho e desígnio da maternidade. Coloco à discussão pública porque, embora muito já tenha sido feito, há um longo caminho de pedras a percorrer. Faço-o por tantas mães que não têm voz, nem palco para expressar discriminações e injustiças que ainda permanecem, seja em casa, seja no emprego.

Aquando da minha segunda licença de maternidade fui confrontada com uma chamada à primeira página de um jornal que apontava o meu número de faltas ao Parlamento, sem, contudo, ter sido consultada, sobre o motivo das mesmas, num período em que as faltas relativas à licença de maternidade não eram passíveis de justificação.

O Parlamento Europeu, a casa representativa de todos os europeus não tem per si uma licença de maternidade e paternidade. Uma crítica que teço há muitos anos e relativamente à qual, até ao final do mandato, irei bater-me por deixar uma marca de mudança para que no futuro não permaneça a presente discriminação a políticos (mulheres e homens) que queiram gozar ou partilhar a licença. Este assunto é tão sério e urgente que chega a ser lamentável persistirem dúvidas ou soluções justas por implementar.

Ao contrário da Assembleia da República, em Portugal, e em tantos outros parlamentos, o Europeu (infelizmente) não permite ao deputado fazer-se substituir durante a licença de maternidade-paternidade. Houve entretanto uma pequena melhoria; as faltas já são justificadas, podendo os cidadãos, em nome da transparência, saber o motivo da ausência do seu representante, o que até agora não acontecia e dava azo a um rol variado de especulações.

Esta matéria carece emergência na discussão e na implementação de regras e medidas efetivas. A conciliação entre a vida profissional e familiar tem de ser garantida nas empresas mas também na política. Obviamente que esta conciliação não se esgota na maternidade e na paternidade. É importante para quem opta por ter filhos, mas também o é para os que cuidam dos seus pais ou dos seus avós.

Já escrevi sobre o Inverno Demográfico que assola a Europa, sobre Economia do Envelhecimento. Hoje lanço a urgência de Políticas de Natalidade. Cabe aos partidos apresentar medidas alargadas quem para a renovação geracional e garantem o futuro das nossas sociedades. E cabe à comunicação social escrutinar os políticos no exercício das suas atividades parlamentares, no cumprimento dos seus compromissos políticos e não na esfera privada.

Lamento ter sido questionada, em 2023, por estar “há tempo a mais” nesta minha terceira licença de maternidade. Desconheço o que é tempo a mais. Apenas conheço o tempo estipulado por lei em vigor em Portugal. E são tantas as mulheres que sofrem e cedem a esta inenarrável pressão, desistindo de conciliar maternidade, carreira ou política.

A realidade, assimétrica, entre mulheres e homens na política, resulta de processos muito complexos e da interação de diversos fatores (culturais, institucionais, ideológicos…) que, por estarem profundamente enraizados nas estruturas sociais, tornam muito difícil a mudança para a igualdade.

Cabe a todos uma mudança de pensamento, aos líderes a tomada de posição, à sociedade a devida e urgente luta pela causa.