O bom, o mau e o desaparecido
Procura-se o líder do maior partido da oposição. Visto pela última vez a defender o fim da derrama que o seu próprio partido aplicou
Era uma vez um Governo de velhos conhecidos. O ministério de Galamba, antigo deputado indicado por Sócrates, perdeu um computador. Eugénia, chefe do gabinete de Galamba e antiga assessora de Sócrates, ligou à Graça, secretária-geral das secretas e casada com um antigo membro do governo de Sócrates, para recuperar o computador perdido. Houve quem questionasse da legalidade da intervenção dos serviços de informações. Rapidamente, Constança, responsável pela fiscalização das secretas e secretária de estado de Sócrates, veio garantir que nenhuma lei foi beliscada. Podemos, pois, dormir descansados.
O bom: Cavaco Silva
Na semana em que Cavaco Silva demoliu o que restava da credibilidade do Governo, fomos recordados da gravidade da palavra de um Presidente da República. Antigo ou em funções. Não se trata de saber qual terá sido o melhor chefe de estado – Cavaco ou Marcelo – mas a mera constatação de que a frequência da palavra presidencial é inversamente proporcional ao seu peso. Enquanto Marcelo fala diariamente, a propósito de tudo e acerca de nada, até anunciando mensagens ao País que redundam em cancelamentos inusitados, Cavaco gere com ritmo e mestria a sua intervenção pública. Já era assim quando ocupava o Palácio de Belém. O resultado da parcimónia na palavra é inegável: quando Cavaco fala, Portugal ouve. E ouviu. O antigo presidente e primeiro-ministro apontou a mentira constante, a degradação institucional, o crescimento económico titubeante e a falta de rumo cujo único destino é a demissão do responsável máximo pela governação - António Costa. É óbvio que, mais do que o antigo Presidente da República, Cavaco falou como militante partidário para uma plateia de autarcas social democratas. Ainda assim, ninguém lhe pode apontar parcialidade ou imprecisão. E a prova de que a sua mensagem ressoou por todo o País, foi a reação histérica do PS. Não é caso para menos. De uma assentada, Cavaco diagnosticou as maleitas do País, mostrou a porta de saída a António Costa e apontou Luís Montenegro como alternativa. Imaginem se ainda fosse Presidente da República.
O mau: O Governo e o SIS
Por razões historicamente conhecidas, em Portugal, o estatuto do Serviço de Informações de Segurança (SIS) é um tema extremamente delicado. À delicadeza não será alheia a aparente coincidência entre as funções do SIS e algumas das missões atribuídas à PIDE, e mais tarde à DGS, pelo Estado Novo. Por isso, o funcionamento do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), onde se inclui o SIS, depende diretamente do Primeiro-Ministro, que por sua vez reporta ao Presidente da República, e é fiscalizado por um conselho eleito pela Assembleia da República. A apertada malha em que funciona o serviço de informações indicia a excecionalidade da sua intervenção e, por maioria de razão, a formalidade que a precede. Tudo isto cai por terra, a partir do momento em que, por devaneio telefónico de uma chefe de gabinete ministerial, há um agente secreto encarregue de perseguir e pressionar, durante a noite, um cidadão português a devolver um computador perdido. Tudo de forma amigável e consensual, como é óbvio. Primeiro, choca a informalidade com que se mobilizam serviços encarregues de contraespionagem e contraterrorismo para agir como um serviço de perdidos e achados do Governo. Segundo, inquieta a rapidez com que o Conselho de Fiscalização quis decretar o encerramento do caso, porventura mais preocupado em estancar a responsabilidade política do Governo do que em garantir o cumprimento da legalidade. Se fosse um argumento da Netflix seria um interessante drama político, como é passado na vida real até parece um filme de terror.
O desaparecido: Sérgio Gonçalves
Procura-se o líder do maior partido da oposição. Visto pela última vez a defender o fim da derrama que o seu próprio partido aplicou, e continua a defender, no município do Funchal. Vestia casaco azul liberal e brandia cravo vermelho na lapela. A caricatura é sintomática da circunstância política em que Sérgio Gonçalves se colocou. Demasiado à direita para os socialistas, e insuficientemente à esquerda para ser alternativa ao PSD. Não é carne, nem é peixe. O caminho para esta encruzilhada começou na sua inusitada eleição como presidente do PS, após uns raquíticos dois anos de militância partidária. Não que a longevidade no partido seja pré-requisito de uma liderança empolgante, mas a forma como Sérgio Gonçalves entrou no PS - só depois de ser eleito deputado pelo partido - torna-o mais socialista de ocasião do que por convicção. Assumido o distanciamento entre presidente e partido, tudo o resto são prenúncios de uma hecatombe eleitoral anunciada. A repetida incapacidade de marcar a agenda política, a ausência de uma alternativa clara à governação vigente, a indigência parlamentar que fez do plágio iniciativa legislativa. São todos episódios do desaparecimento político de Sérgio Gonçalves e a prova de que o PS desbaratou a lição de Paulo Cafôfo. Em vez de voltar a abrir-se à sociedade e daí recolher propostas mobilizadoras, o PS perdeu-se em comissões de inquérito inconsequentes e em cartazes eleitorais que deprimem qualquer eleitor. E ainda nem chegámos à escolha dos nomes para a lista eleitoral do PS. Nesse momento, Sérgio Gonçalves vai perceber que pior do que os inimigos declarados, são os amigos duvidosos.