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Escutismo católico assinala em Braga 100 anos de presença em Portugal

Foto DR
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Mais de 23 mil escuteiros de todo o país vão comemorar no sábado, em Braga, o centenário do Corpo Nacional de Escutas (CNE), considerado a maior associação de jovens em Portugal, contando com cerca de 67 mil membros.

Fundado em Braga em 27 de maio de 1923, por iniciativa do arcebispo Manuel Vieira de Matos e Avelino Gonçalves, que em Roma mantiveram os primeiros contactos com o movimento ao assistirem, em 1922, a um desfile de 20.000 escutas durante o Congresso Eucarístico Internacional, o CNE tem contribuído, segundo os seus responsáveis, "para o desenvolvimento integral de milhares de jovens, muitos deles tornando-se membros ativos das suas comunidades e personalidades de relevo na sociedade".

As comemorações, para as quais são esperadas as presenças do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Correia, vão desenrolar-se ao longo de todo o dia, estando previstas muitas centenas de atividades, como jogos, oficinas ou concertos, assegura a organização.

A inauguração de um monumento alusivo ao centenário, da autoria do escultor Paulo Neves, e o lançamento pelos CTT de um selo comemorativo do centenário estão também previstos no programa, que terminará com o "Fogo de Conselho", após a missa agendada para as 20:00, no Altice Fórum Arena, presidida pelo arcebispo José Cordeiro.

O movimento escutista católico em Portugal está presente em todo o país, contando com 67.000 escuteiros em mais de 1.000 agrupamentos locais no território continental, regiões autónomas dos Açores e Madeira, além de Genebra, Zurique e Macau.

Os escuteiros estão distribuídos em quatro secções -- Lobitos (dos 6 aos 10 anos), Exploradores e Moços (10-14), Pioneiros e Marinheiros (14-18) e Caminheiros e Companheiros (18-22). Estão ainda contabilizados mais de 14 mil Dirigentes.

Entre diferentes momentos importantes na história dos seus 100 anos, o CNE destaca, logo nos primeiros tempos, a realização do I Acampamento Nacional, em 1926, em Aljubarrota, a visita a Portugal do fundador do escutismo, Baden-Powell, em março de 1929, o I Congresso Nacional de Dirigentes, ainda em 1929, bem como a participação, em agosto desse ano, no 3.º Jamboree Internacional de Arrowe Park.

Reconhecendo a importância do CNE, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) emitiu neste mês de maio uma nota pastoral, na qual considerou que "o Escutismo desempenha na sociedade um papel complementar das demais instâncias educativas. A sua relevante pedagogia tem provas dadas pelo mundo inteiro e ao longo de mais de um século, sem perder a sua pertinência".

No documento, a CEP assinalou que o Escutismo, "ainda antes de se acentuar a consciência ecológica na sociedade", já "promovia uma maneira de estar em perfeita harmonia com o meio ambiente e a natureza", dando "um assinalável contributo no crescimento da consciência comunitária do respeito para com a Criação".

Os bispos realçaram, também, o compromisso do Escutismo "com a construção da paz e com o respeito para com todos, patamar comum para o entendimento entre diferentes nações, culturas e religiões", sustentando que esta "vertente ecuménica e inter-religiosa constitui um estímulo e um sinal de esperança, num mundo assolado por guerras e divisões".

Sobre os 100 anos do Escutismo Católico Português, que se assinalam neste sábado, a CEP reconheceu que o percurso do CNE "nem sempre foi linear", tendo vivido "momentos atribulados, como aliás o próprio país e a Igreja", mas "a perseverança, a resiliência e a fé de muitos permitiram manter o rumo, superando os obstáculos".

Citando o lema escutista - "sempre alerta para servir" --, a CEP adiantou que "promover autenticamente as diretrizes escutistas, privilegiando o serviço aos mais pobres, doentes e necessitados, é um caminho que pode potenciar o desabrochar da vocação cristã no seio da Igreja".

Aos membros do CNE, os bispos lançaram "um renovado desafio da fidelidade", que "pressupõe perseverança para superar obstáculos", bem como "o constante alimento da fé na oração, na proximidade com a Palavra de Deus, na vida sacramental e no exercício da caridade".

Centenário pela inclusão

O escutismo católico português que, no sábado, comemora o primeiro centenário da sua criação, quer assumir-se como movimento de integração de jovens de outros países e de outras culturas que venham para Portugal.

Defendendo que "o escutismo católico em Portugal continuará a ser um movimento de fronteira, que trabalha junto dos jovens, a partir do ponto em que eles estejam", Ivo Faria, chefe nacional do Corpo Nacional de Escutas (CNE), perspetiva que será, também, "um movimento de evangelização, dentro dos batizados, mas também de portas abertas para acolher crianças e jovens de outros países, de outras culturas que venham para Portugal".

"E nesse acolhimento, ajudar as famílias a integrar-se no nosso país e a diminuir as desigualdades", afirmou Ivo Faria, em declarações escritas à agência Lusa, a propósito do centenário do CNE, cujas comemorações decorrem no sábado, sendo esperada a presença do Presidente da República.

Para este responsável, a celebração que decorrerá em Braga -- cidade de entrada do escutismo católico em Portugal há um século -- "marca o trabalho continuado de voluntários e de comunidades locais que acolhem [o movimento] desde 1923. Por todo o território nacional, são mais de 1.400 grupos locais que, ao longo destes 100 anos, foram criados e ajudaram os jovens a ser cada vez mais cidadãos ativos e comprometidos com as suas comunidades e com o bem comum".

Ivo Faria admite que a pandemia de covid-19 foi um tempo problemático para os escuteiros, com o CNE a perder cerca de oito por cento do efetivo nesse período.

Porém, nesses meses, "foi feito um esforço muito grande de manter os grupos locais abertos e a funcionar, reinventando atividades à distância, mantendo a ligação com os pais e com a comunidade".

"Por exemplo, recolhemos 70 toneladas de bens alimentares para a campanha extraordinária do Banco Alimentar de 2020. Realizámos um 'acampamento' nacional, com mais de 15 mil jovens, cada um na sua casa, montando a tenda na sala, no jardim, terraço", explicou o chefe nacional.

Segundo Ivo Faria, com a saída da pandemia, os escuteiros saíram "reforçados e com mais motivação" para se reunirem de novo.

Quando isso aconteceu, "a cada abraço, parecia que já não estávamos juntos há muitos anos", reconheceu, acrescendo que o CNE, entretanto, "recuperou quase a totalidade do efetivo perdido. Só este ano, entraram mais de 10 mil novos escuteiros", sendo o total do efetivo cerca de 67 mil.

Com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) à porta, o responsável destaca o papel que os jovens do CNE vão desempenhar no encontro mundial com o Papa.

"O CNE participa de duas formas: em primeiro lugar, motivando os seus jovens a participar na JMJ. Iremos ter muitos milhares de jovens escuteiros integrados nos grupos de jovens paroquiais a viver a pré-jornada nas dioceses e ainda a semana de Lisboa", revelou.

A segunda vertente é a dos voluntários: "Teremos muitos voluntários a apoiar nas mais variadas áreas da JMJ. Estamos também a receber ofertas de escuteiros de outras nações (lusofonia e outros países mais próximos, como a Espanha e a França) que querem ajudar. Além disso, temos a responsabilidade de assegurar o 'check-in' de todos os participantes na JMJ".

Um dos temas que, nos últimos meses também envolveu os escuteiros foi o dos abusos sexuais, tendo a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal incluído no seu relatório sete casos no interior do movimento ainda não conhecidos pelo CNE, a que se somaram 19 situações que já existiam nos arquivos da instituição.

Ivo Faria sublinhou à agência Lusa que o CNE tem "um código de conduta, manual de boas práticas, uma plataforma de reporte de situações, que apoia uma estrutura de suporte para lidar com os casos e apoia as vítimas, também com uma rede de psicólogos. Todos estes meios foram sendo construídos há mais de 10 anos".

Assim, a reação perante as revelações da Comissão Independente "foi a de compreender que o CNE, apesar de ter registos de alguns casos, é um movimento seguro, que tem instrumentos para a proteção de crianças e jovens, através da prevenção, identificação e reação a situações detetadas".

"Também promovemos formação para todos os voluntários, sobre a proteção de crianças e de jovens, em temas que incluem os abusos sexuais, mas que vão para além disso", incluindo outros abusos, o 'bullying', a internet segura e as dependências, afirmou, revelando a aposta "no desenvolvimento de ferramentas para formar as próprias crianças e os jovens para a prevenção e identificação de casos".

Quanto aos eventuais efeitos das notícias de abusos na atividade do CNE, "não foi notada uma redução do efetivo", antes "pelo contrário", tem-se verificado um crescimento, segundo Ivo Faria.

E é com este panorama que, neste sábado, o chefe nacional do CNE vai dizer que os escuteiros devem "sempre ser fiéis" à sua "Promessa escutista", estando "disponíveis para encontrar o outro e, nele, Cristo".

"Que não deixem de sonhar e de construir o amanhã dos seus sonhos. O segundo centenário começa agora", vai ainda apelar Ivo Faria perante os 23 mil escuteiros esperados em Braga.