“Como ‘O tubarão’. Mas melhor.”
Foi essa a instrução que, seguindo a recomendação de Steven Spielberg, o realizador George Lucas deu ao compositor John Williams, quando o convidou para compor a banda sonora da “Guerra das estrelas”. Foi no dia de hoje, em 1977, que o primeiro dos nove filmes desta saga teve a sua estreia, acolhendo de imediato milhões de fãs e atraindo o público de várias gerações ao longo de 43 anos, até ao seu nono episódio, em 2019. Na altura, John Williams já tinha arrecadado 11 nomeações para Óscar e ganhado dois, compondo bandas sonoras memoráveis, tais como “Um violino no telhado”, “A aventura do Poseidon” e, claro, “O tubarão”, cuja banda sonora de terror foi talvez a mais icónica desde o “Psico”. “Dê-me uma criação musical comparável com os maiores êxitos da história da música sinfónica orquestral”, lançou o realizador um desafio ao compositor que na altura tinha 45 anos. O resultado: o tema principal do filme, gravado pelo Orquestra Sinfónica de Londres, chegou ao décimo lugar da lista Billboard Hot 100 e banda sonora arrecadou maiores prémios do ano: o Óscar, o Globo de Ouro e o Prémio Grammy.
Esta banda sonora marcou o iniciou da música americana moderna para filmes. A ligação emocional entre a imagem, a história e o público, através da música, foi depois cada vez mais elaborada nas suas bandas sonoras, tanto na série de Indiana Jones como nas séries de Superman, Harry Potter e “Parque jurássico” e nos filmes tais como “Sozinho em casa”, “O resgate do soldado Ryan”, “Encontros imediatos do terceiro grau” (estreado no mesmo ano), “A lista de Schindler” e “E.T.” Sobretudo nos “Star Wars” Williams criou uma panóplia de motivos e temas reconhecíveis e impactantes, cuja popularidade e aplicação ultrapassaram de longe a marca duma banda sonora “normal”.
Começando como pianista na Banda da Força Aérea estadunidense, estudando a seguir piano nas escolas prestigiosas tais como Juilliard e Eastman e trabalhando em vários clubes de jazz em Nova Iorque, Wiliams concentrou-se na composição e orquestração, tendo colaborado com algumas das ícones da música de filmes, tais como Franz Waxman (“Rebecca”, “O crepúsculo dos deuses”, “A noiva de Frankenstein”) Bernard Herrmann (“Psico”, “A mulher que viveu duas vezes”, “Os pássaros”) e Thomas Newman (dois filmes de James Bond, “À procura de Nemo”, “Os condenados de Shawshank”).
O êxito e a comunicabilidade da música de Williams devem-se sobretudo ao facto de ele nunca ter ido à procura de uma inovação por sua própria causa. Num filme como “Star wars”, o qual, no fundo, é uma ópera no espaço, ele foi buscar a linguagem utilizada em grandes óperas românticas, conseguindo assim uma ligação intemporal com a herança e grandiosidade da música clássica. Utilizou este vocabulário com força e arrebatamento sem precedentes, baseando-se sobretudo no uso da técnica composicional de “Leitmotiv” – um motivo ou tema associado à cada personagem da história – utilizado com grande efeito e sistematicamente por Wagner nas suas grandes óperas. Mas chegou a incorporar tanto os efeitos orquestrais de Tchaikovsky como os de Stravinsky, Orff, Holst, Richard Strauss, Elgar (“Pompa e circunstância”) e sobretudo de Erich Wolfgang Korngold. Foi um músico e compositor prodígio de origem austríaca que se mudou para Hollywood em 1934 e passou a ser considerado um dos pilares da música dos filmes destas décadas, associado com a carreira ascendente de Errol Flynn (“O capitão Blood” e “Robin dos bosques”).
No entanto, todos esses ingredientes não iriam resultar numa fusão tão poderosa se não fosse a alquimia de John Williams, cuja mestria e invenção na construção de motivos melódicos e rítmicos e a orquestração hiperbrilhante elevaram esta banda sonora ao nível de um dos ingredientes essenciais tanto para o impulsionamento emocional do espectador como para a perceção e fruição da experiência do filme na sua totalidade. Começando pela sua obsessão pelos pormenores que, por exemplo, o levou a compor o tema principal da introdução do filme na mesma tonalidade que o tema introdutório da companhia 20th Century Fox, que o antecede.
Nas palavras de J. J. Abrams, o realizador de dois filmes da série “A guerra das estrelas”, John Williams “escreve as emoções… e sabe como fazer o vosso coração voar como ninguém”. E, verdadeiramente, os temas deste e de outros seus filmes já integram o vocabulário popular há anos e demonstram que a semiótica da música possui capacidade invulgar de identificação e sintonização com os contextos extramusicais.