Declaração de interesses dos políticos obriga a alterar o Estatuto da Madeira?
O debate do relatório da comissão e inquérito às “obras inventadas” e “favorecimento de grupos económicos”, suscitada pelas declarações de Sérgio Marques do DN/Lisboa, decorreu na manhã desta quarta-feira e a questão as declarações de interesses dos deputados foi, mais uma vez, levantada.
Estava em causa o facto de Sérgio Gonçalves, líder regional do PS, ter sido quadro superior e administrador de empresas do Grupo Sousa, um dos grupos económicos referidos no “objecto da comissão”. O deputado considerou não haver qualquer conflito de interesses, uma vez que não estaria envolvido nas áreas do grupo liderado por Luís Miguel Sousa a que se referia a comissão, mas aproveitou para destacar a importância de haver uma definição clara dos interesses dos titulares dos órgãos de governo próprio.
O PS apresentou um projecto de resolução, discutido em simultâneo com o relatório da comissão de inquérito que recomendava à Comissão Eventual para o Aprofundamento da Autonomia e Reforma do Sistema Político que promovesse a alteração do Estatuto Politico-Administrativo da Madeira “no sentido de prever que a aplicação do regime previsto na Lei nº 52/2019, de 31 de Julho, na sua actual redacção, se aplica aos membros dos órgãos de governo próprio da Região”.
Para tal, são propostos dois novos artigos a incluir no Estatuto – lei que apenas é inferior à Constituição da República -, sendo o primeiro a aplicação da Lei nº 52/2029 e um segundo, com dois pontos:
1 – Os deputados e membros do Governo Regional estão obrigados à entrega da declaração única de rendimentos, património e interesses, nos termos previstos no regime de exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos;
2 – A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira assegura obrigatoriamente a publicidade no respectivo sítio da Internet dos elementos da declaração única relativos ao registo de interesses dos deputados e membros do Governo Regional.
O projecto de resolução foi rejeitado, com votos contra de PSD e CDS e votos a favor de PS, JPP e PCP.
A dúvida que se coloca é se o cumprimento da legislação que obriga à apresentação do registo de interesses pode ser obrigatório, sem necessidade de alteração do Estatuto. Uma tese que chegou a ser defendida ao nível nacional, no que diz respeito ao regime de incompatibilidades, mas que acabaria por ficar clara na redacção mais recente do diploma nacional.
O articulado da Lei nº 52/2019, de 31 de Julho é claro:
Artigo 23.º
Aplicação aos membros dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas
A aplicação do disposto na presente lei aos membros dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas depende da adoção do regime nela previsto nos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas.
Na prática, o que este artigo determina é que qualquer intenção e impor uma declaração de interesses terá de passar por uma revisão Estatuto Político-Administrativo, um processo que se encontra parado. O Estatuto actual é o original, de 21 de Agosto de 1999 que nunca foi revisto.
A Comissão Eventual para o Aprofundamento da Autonomia e Reforma do Sistema Político debateu, nos dois últimos mandatos da Assembleia Legislativa, propostas de revisão, mas o processo sofreu uma paragem, uma vez que estará dependente de uma revisão constitucional prévia.
Albuquerque prometeu
A criação de um registo de interesses dos titulares de órgãos de governo própria era uma intenção do PSD e de Miguel Albuquerque que chegou a apresentar propostas nesses sentido, mas a concretização em ‘letra de lei’, acabaria por não se concretizar.
Ainda antes das eleições regionais de 2015, pouco tempo depois de assumir a liderança do PSD-M, Miguel Albuquerque garantia que haveria alterações aos regimes de incompatibilidades e registos de interesses.
A proposta que o PSD-M apresentou, na Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político incluía as incompatibilidades e registo de interesses. No entanto, a ALM ainda anão avançou com uma proposta consensual de revisão do Estatuto.
Num Conselho Regional do PSD, realizado a 16 de Julho de 2016, era afirmado o seguinte:
“O Conselho Regional do PSD/Madeira, reunido hoje no Funchal, estabeleceu como próximo objetivo a Revisão do Estatuto Político-Administrativo da RAM, dando continuidade à Reforma do Sistema Político, o qual resultou de compromisso eleitoral "trouxe uma melhoria efetiva na qualidade da ação e da participação dos atores políticos e partidários regionais". "O debate está, assim, mais rico, eficaz, abrangente e democrático na Região", afirmou o porta-voz do Conselho, José Prada, na apresentação das conclusões.
Para o PSD/Madeira, esta revisão do Estatuto deverá "levar em linha de conta" outros compromissos, também já assumidos pelos social-democratas, como: a clarificação das competências legislativas da Região; um sistema fiscal próprio; o enquadramento da relação entre Estado e Região; o aprofundamento das incompatibilidades e impedimentos; a criação de um registo de interesses; a limitação de mandatos do cargo de Presidente do Governo.”
Antes, ainda em Fevereiro de 2015, Miguel Albuquerque assegurava que iria “romper” com a prática do PSD de Alberto João Jardim e avançar com um regime de incompatibilidades e impedimentos.