Músculos em forma, importa e muito!
Mente aberta, coração aberto e pés bem assentes no chão. Que é como quem diz, com os músculos em forma, a partir da humildade, reconhecendo os nossos talentos, possibilidades e limites. E depois entregando-nos inteiros por amor ao serviço da humanidade
“És gorda. Tens muitos músculos. Não podes ser bailarina.” Poderia ter sido o fim de um sonho, ditado pela professora de ballet da Maria (nome fictício para proteger a identidade da jovem). Enquanto os pais, os principais cuidadores, professores, adultos de referência continuarem a insistir em oferecer feedback destrutivo, ao nível da identidade, a única coisa que estão a nutrir é uma fraca autoestima. Sempre que rotulamos alguém (sobretudo uma criança), estamos a instalar-lhe uma crença, ao nível da identidade. Estamos também, a escancarar a porta para que ela se comporte de acordo com o rótulo atribuído. Afinal, tal como nós, adultos, os mais novos, têm a necessidade básica de serem vistos, reconhecidos e amados por quem são. Para garantir o vínculo com quem amam, vão comportar-se da forma que acreditam que queiramos que se comportem, de acordo com o que lhes dissemos serem. Desafiante, não é?!
Importa lembrar que o cérebro da criança ainda tem um longo caminho de maturação a ser percorrido, até ganhar a capacidade de racionalizar aquilo que lhe está a ser transmitido. O que escuta é interpretado e interiorizado com uma forte carga emocional.
Quero acreditar que a intenção desta professora foi positiva. Que reconheceu na Maria, competências físicas e psicológicas que são verdadeiramente úteis na prática de noutra modalidade. Só que a própria professora não tinha os músculos em forma (mas já lá vou). Se tivesse, teria guiado a Maria até ao patamar seguinte, reconhecendo os seus dons naturais, empoderando-a, mostrando-lhe outras possibilidades. Só que isso pede maturidade emocional e autoestima saudável por parte do adulto.
Portanto, hoje, quero entregar 10 pontos que a ciência considera essenciais trabalhar para aumentar e nutrir a autoestima.
1 - Autoconhecimento
É essencial o autoconhecimento e
autorreconhecimento, para que tenhamos consciência de tudo o
que nostorna únicos. Para
que conheçamos os nossos pontos fortes
e os pontos a trabalhar;
2 – Emoções
Reconhecer, aceitar e integrar as emoções, trabalhando a autoregulação emocional, percebendo que todas as emoções têm espaço para existir;
3 – Presença
Cultivar a presença é viver conscientes de que somos os actores principais das nossas vidas. Não somos o que nos acontece e podemos escolher como reagir. Nesse momento recuperamos o nosso poder pessoal;
4 – Praticar a empatia, a gratidão e perceber o impacto que gera na nossa vida e na vida de terceiros;
5 – Identificar a rede de apoio
Quem são as pessoas que estão ao
nosso lado, que nos aceitam sem condições, que lá
estão sempre para nós, que oferecem suporte e apoio. Que são porto de
abrigo, seguro e fonte inesgotável de amor;
6 - Autonomia e responsabilidade
Aprender a tomar decisões, a fazer escolhas e a ter um papel activo na nossa própria vida.
7 - Erro
Não há erro há feedback. É preciso aprender a lidar com o erro de uma forma construtiva, retirando dele aaprendizagem para um caminho de crescimento e melhoria constantes;
8 - Auto-cuidado
A forma como cuidamos de nós determina a qualidade das nossas relações. Trabalhar a responsabilidade pessoal é um dos pilares de uma autoestima saudável;
9 - Voz interior
“A história que me estou a contar é…” Usar esta frase é uma forma de nos separarmos e desapegarmos das histórias e filmes que criamos na nossa cabeça de forma a ganharmos distância crítica, estratégica, saudável, criativa em relação à nossa própria perceção. A forma como falamos connosco, principalmente quando enfrentamos desafios, é essencial para a qualidade da nossa vida, para a motivação e autocompaixão;
10 – Menos elogios, mais reconhecimento
Nas correntes que olham para a
autoestima com a lupa da autoconfiança valoriza-se o reforço
positivo, o elogio, o louvor. Nada contra, desde que seja com conta peso e
medida. É que uma criança que cresce num ambiente de elogios: “és tão
inteligente, que bem que desenhas, és mesmo bom” ou reconhecida apenas quando
alcança algo - uma boa nota, passar num exame, quando se ‘porta bem’, etc -
fica dependente dessa validação externa para se sentir bem consigo própria.
Entramos no ciclo do amor condicional: ‘só me valorizam, só gostam de mim,
quando consigo , tenho, faço algo.’ Aprendemos a correr atrás da cenoura. A
depender da validação externa, sem olhar e sentir o que nos
faz feliz de verdade, e isto não permite desenvolver um código de valores
próprio. Portanto, podemos reconhecer em vez de elogiar, dizendo, por exemplo:
“obrigada por teres posto hoje a mesa. Foi uma grande ajuda para todos.”
Podemos mostrar interesse genuíno por um desenho: ‘que interessante,
vejo que usaste esta cor, o que representa aquele traço?’ Sem julgar,
sem avaliar.
Quanto à Maria, tem uma sorte tremenda! Explico então, a importância de termos todos os músculos em forma. A Maria nasceu com um pai amante do culturismo. Quem conhece a modalidade sabe que o centro de comando está no cérebro cognitivo e no cérebro cardíaco (que são músculos, certo?!). Razão e paixão!! E assim, mesmo com o feedback destrutivo da professora, a Maria, soube escutar e seguir sabiamente, a cabeça e o coração.
Encontrámo-nos na rua. Aproximou-se, tímida e corajosa, e sussurrou-me: “Rita, por favor, diga ao seu companheiro que gosto muito dele, que é uma inspiração para mim. Já estou a fazer ginásio, sigo as competições e adoro.” Tocou-me profundamente o coração. Chamei-o e a Maria partilhou pessoalmente tudo o que sentia. O Miguel Abibe, que é, entre outros títulos, campeão absoluto Men’s Physique, acolheu o reconhecimento da Maria, desde o lugar que o caracteriza, o da humildade. Apoiou-a imediatamente. E é assim, num estado de presença e amor, com os músculos em forma, como a Maria e o Abibe, que podemos todos, viver ao serviço da humanidade. Pelo exemplo.