Alterar 5 nós no limite do vento permite que 80% dos aviões aterrem?
Foi à margem de uma cerimónia de entrega de prémios da Festa da Flor que Miguel Albuquerque proferiu a seguinte declaração: “Basta um diferencial de 5 nós [no limite de vento no Aeroporto Cristiano Ronaldo] para que os aviões aterrem”. O governante precisou ainda que nos últimos dias “80%” das aeronaves foram impedidas de aterrar devido às condições de vento. Só esta semana foram dezenas de voos divergidos, conforme fomos dando conta.
Será que alterar 5 nós no limite obrigatório do vento permitirá que 80% dos aviões que façam aproximação à pista aterrem? Com que base o presidente sustentou a sua tese?
O DIÁRIO teve acesso a parte do relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Problemas da Operação no Arquipélago da Madeira, criado pelo Ministério das Infraestruturas a quem cabe a tutela dos transportes. Era ainda Ministro, Pedro Nuno Santos.
Lê-se no despacho n.º 137/2021 de 6 de Janeiro do governante socialista que, entretanto pediu a demissão, que os principais objectivos do grupo de trabalho era "identificar os principais constrangimentos da operação aeroportuária no arquipélago relacionado com os ventos e a implicação que têm na operação aeroportuária bem como identificar possíveis soluções, técnica e economicamente viáveis para a resolução dos problemas".
Diz também que a melhoria da operacionalidade passará pela "instalação de aparelhos para detecção e alerta de turbulência", dependente do concurso público internacional, que foi lançado a 15 de Junho de 2022, pela Navegação Aérea de Portugal.
Os equipamentos serão propriedade da NAV que garantirá a sua manutenção sendo que as especificações técnicas são elaboradas em conjunto com o IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera). O referido sistema será explorado pelo IPMA, "a informação validada por esta entidade e disponibilizada à torre que por sua vez a disponibiliza em tempo real às tripulações".
E diz mais - e é aqui que Miguel Albuquerque sustenta a sua declaração - “atendendo a que 80% dos voos que divergem por estarem fora dos limites de vento, dizem respeito a situações em que os ventos na aterragem estão apenas até 3 nós acima dos limites, estes sistemas poderão vir a sustentar os estudos técnicos e científicos para uma eventual revisão dos actuais limites”.
Se levarmos à letra o rigor do que está escrito, a afirmação de Miguel Albuquerque até peca por defeito, uma vez que bastaria ao chefe do Executivo dizer apenas "3 nós acima dos limites para permitir a aterragem dos aviões", conforme indica o estudo.
O que pensam os pilotos?
Esta manhã ao nosso jornal estabeleceu contacto com Associação de Pilotos Portugueses de Linha Aérea, no entanto até ao fecho deste Fact-Check não foi possível obter uma posição, muito menos vinda da ANAC - Autoridade Nacional de Aviação Civil.
Quem amavelmente acedeu comentar foi Timóteo Costa, comandante aposentado, antigo quadro da SATA Internacional, com um recorde de 9.600 aterragens na Madeira e defensor acérrimo da alteração dos limites de vento. Considera ser preferível 'voar' mais alto e converter, de imediato, a legislação de obrigatório ou mandatório, com carácter sancionatório, para recomendações ou alertas, por conseguinte, sublinha, proceder à eliminação da referência no AIP Portugal "Compliance with operating limitations is mandatory.
Se assim for, nessas condições, à partida, a sua estimativa é que “75% dos aviões aterrariam”. Dúvidas tem que a margem de aumento de 5 nós possibilite uma expressão tão elevada de aviões aterrar na Madeira. E é fácil perceber a sua hesitação com o testemunho de outro colega com quem falamos.
Um comandante da TAP no activo lembra que já chegou a voar para Madeira com limite um pouco abaixo do obrigatório e que foi mais difícil aterrar do que efectuar aproximações com ventos mais fortes.
A recordação da viagem, vinca, serve para alertar para o grau de exigência que a pista madeirense tem, quer no sentido Machico Santa Cruz, quer em sentido contrário, onde a maior parte das chegadas acontecem, entendendo que os equipamentos ajudam a segurança mas não aterram os aviões pelo que a última decisão de aterrar ou não caberá sempre aos comandantes.
De resto a própria Assembleia Legislativa da Madeira já instou a ANAC a tomar providências como poderá aqui constatar numa resolução de 2018.