Níveis de pertença política, religiosa e cristã. Que condições?
Não se pode propor o mesmo a todos sob pena de dar pérolas a porcos, no dizer do Evangelho. Contudo, alguns leitores estão interessados num código de vida moral digna. Quando nos dirigimos aos de uma religião ou educadores já se pode ser mais específico na reflexão e proposta de algum grau de bem comum e aceitação da dignidade de todos os irmãos, como propõe o papa Francisco (Tutti Fratelli). E que dizer dos crentes que põem Deus entre parênteses como se não contassem com Ele? Alguns filósofos e cientistas, por razões diversas, adotam posição semelhante.
Não faltam crentes de religiões monoteístas que abraçam a atitude de vamos viver com ética e honestidade etsi Deus non daretur (como se Deus não existisse). Funciona? Talvez. Será que as universidades poderiam avaliar as evidências de que este propósito de alguns pode tornar uma sociedade melhor para todos?
Não faltam também cristãos que dizem seguir um modelo semelhante de serem dos melhores mesmo agindo etsi Christus non daretur (como se Cristo não existisse), mas neste caso teríamos que dizer: como se não acreditassem que Cristo é o Filho de Deus. As escolhas destes “como se” podem ir mais longe para batizados católicos. Podem garantir que vivem melhor a sua vida cristã modelar sem se preocupar se Jesus Cristo existe ou não, para eles. A imaginação leva ainda a outros pressupostos semelhantes: ser católico como se não existisse a Igreja que Jesus assentou sobre Pedro: “tu és Pedra e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja” e não existisse o Pedro de 2023 desta Igreja, o Papa Francisco. Desse modo já se estaria a atingir o nível mais baixo de pertença à Comunidade de fé e vida cristã. Fica a questão: mas será que, nestas condições, estatisticamente, estes modelos funcionam?
Poderíamos agora aplicar esta reflexão a outros organismos sociais e outras pertenças, aquelas, a que cada um dá muita importância sociopolítica e que deverão impor condições incontornáveis. Por exemplo, nas celebrações atuais do Dia da Europa (9 de maio) será que as condições da Declaração de Schuman continuam a ser respeitadas sem deslizar para o esquerdismo fraturante ou o populismo caótico? Condições sem as quais não é possível manter a confiança, bem-estar social para todos e a felicidade que é por natureza tecida de relações de entreajuda, colaboração, paz e algum respeito pelos valores cristãos. A condição de pertença à Igreja, essa de fé, foi pedida por Jesus a Pedro: “e vós quem dizeis que Eu sou”?
Se alguns estão inquietos se a IA (inteligência artificial) vai ser usada para benefício ou risco, para melhorar a vida humana de todos ou para prejuízo, sofrimentos avassaladores e morte, como se têm posto a questão em relação às guerras, ao uso de armas para matar, dinheiro para comprar e escravizar pessoas. Também não se pode ser indiferente a esses extremos: haverá que escolher servir para o bem e não causar mal à humanidade. E será que a crença comprometida em Deus, aceite pelas pessoas, ajuda mais e dá mais eficiência e compromisso pelo bem comum de todos? E questão semelhante se pode pôr em relação à presença ou ausência de fé em Cristo na vida dos cristãos e dos católicos. E, ainda, perguntar em relação a outras pertenças religiosas: fará diferença uma vida comprometida com o Deus de Abraão (para judeus), com Alá (para islâmicos); com os exemplos de Buda (budistas) e de Confúcio (confucionistas) ou será indiferente?
Haverá diversas justificações para algumas posições tomadas. Alguns talvez digam que pessoas religiosas são piores que os descrentes, como por vezes se generaliza. Generalizar é falácia que abunda como erva ruim da iliteracia.
Alguns batizados católicos justificam o etsi por autoafirmação adulta que dispensa esse compromisso para não perder a autonomia e por recusa da simplicidade cristã pedida por Cristo: “se não vos tornardes como crianças não entrareis no Reino de Deus”. Outros põem a Igreja de parte por ela e os cristãos se terem envolvido em guerras religiosas, cruzadas violentas, Inquisição e abusos sexuais. Compreende-se.
Não é fácil aceitar que nela, papas, bispos e padres, religiosos e todos os batizados sejam pecadores, embora não se deva generalizar que todos sejam corruptos, violentos, abusadores e escandalosos. Apesar de tudo e todos os etsi incorretos, Jesus continua a perguntar: e para vós, quem dizeis que Eu sou, como condição para o seguir?
Aires Gameiro