Missão da ONU no Afeganistão pede esclarecimentos sobre interdição de trabalho a mulheres
A Missão das Nações Unidas no Afeganistão deverá reunir-se hoje com responsáveis talibãs, em Cabul, para clarificar uma nova interdição governamental que impede as mulheres afegãs de trabalharem para a organização no país, afetado por uma grave crise humanitária.
Na terça-feira a ONU anunciou que os talibãs proibiram as trabalhadoras afegãs, até agora poupados a este tipo de medidas aplicadas às ONG, de trabalharem com a organização em todo o país.
No início do dia, a Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (MANUA) anunciou que o pessoal feminino afegão tinha sido impedido de trabalhar na província de Nangarhar, este do país.
"A MANUA ouviu falar de uma ordem das autoridades de facto que proíbe as empregadas nacionais da ONU de trabalharem", disse à imprensa Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
"Foi-nos dito por diferentes canais que a interdição se aplica em todo o país", declarou.
Sublinhando não existir qualquer ordem escrita, a porta-voz precisou que os responsáveis da ONU deverão encontrar-se hoje com as autoridades, em Cabul, para tentarem obter a "clarificação".
Cerca de 3.900 pessoas trabalham para a ONU no Afeganistão, das quais 3.300 são nacionais, segundo os números da organização.
Cerca de 600 mulheres fazem parte destes empregados, entre as quais 400 afegãs.
"Para o secretário-geral, tal interdição será inaceitável e completamente inconcebível", sublinhou Stéphane Dujarric, denunciando uma tendência para "minar a capacidade das organizações humanitárias de ajudarem aqueles que mais precisam", declarou.
"É evidente que, dada a sociedade e a cultura, precisamos de mulheres para levar ajuda humanitária às mulheres", explicou.
Na sociedade afegã, profundamente conservadora e patriarcal, não é permitido a uma mulher falar com um homem que não seja um familiar próximo.
Só uma mulher pode entrar em contacto com um beneficiário de ajuda do mesmo sexo.
Ainda que a ONU esteja neste momento a analisar o impacto sobre as suas operações, é "muito difícil imaginar como distribuirá ajuda humanitária sem o pessoal feminino", acrescentou.
Cerca de 23 milhões de homens, mulheres e crianças são abrangidos por ajuda humanitária, sublinhou, a propósito de um país que vive uma das piores crises humanitárias do planeta.
Desde que regressam ao poder em agosto de 2021, os talibãs adotaram uma interpretação austera do islão, que marcou a sua primeira passagem pelo poder (1996--2001) e multiplicaram as medidas restritivas contra as mulheres.