Líderes leigos de instituições da Igreja obrigados a comunicar crimes de abuso a partir de hoje
Os líderes leigos de instituições internacionais ligadas à Igreja Católica estão obrigados, a partir de hoje, a comunicarem ao Vaticano os crimes de abuso sexual nas suas instituições de que tenham conhecimento.
Esta obrigatoriedade decorre da atualização feita em 25 de março pelo Papa Francisco da lei aprovada em 2019, que obriga todos os sacerdotes e religiosos a denunciarem crimes de abuso sexual ao Vaticano.
Aquando desta atualização, Francisco reafirmou e tornou permanentes as disposições temporárias da lei que foram aprovadas num momento de crise no Vaticano e na hierarquia católica. Esta lei foi aprovada na sequência da cimeira realizada em fevereiro de 2019, no Vaticano, com os bispos de todo o mundo, para discutir a responsabilidade da Igreja Católica na resposta aos casos de abuso sexual.
Na ocasião, a legislação foi elogiada por estabelecer mecanismos precisos para investigar bispos e superiores religiosos cúmplices, mas a sua implementação foi desequilibrada e o Vaticano foi criticado por vítimas de abuso, por alegada falta de transparência.
As novas regras estão em conformidade com outras alterações no tratamento de abusos praticados por membros da Igreja Católica que foram emitidas desde então.
De forma mais significativa, as novas normas abrangem, além dos clérigos, moderadores de associações aprovadas pela Santa Sé.
Esta é uma resposta aos casos que surgiram nos últimos anos envolvendo líderes leigos suspeitos de usarem a sua autoridade para abusar de pessoas sob os seus cuidados.
O texto da lei exige que todo o pessoal da Igreja denuncie alegações de abuso do clero internamente e amplia a proteção aos denunciantes, reafirmando a necessidade de proteger a reputação dos acusados.
Muitas vítimas de abuso no seio da Igreja acusam a instituição de, durante décadas, ter fechado os olhos em relação aos bispos e superiores religiosos que encobriram casos, deslocando padres suspeitos de crime sexual para outras paróquias, em vez de os denunciar às autoridades.
A lei de 2019 tentou responder as essas reclamações, mas as vítimas culparam a Santa Sé pelo sigilo sobre as investigações.
Em Portugal, o combate aos abusos na Igreja Católica conheceu um incremento com a criação pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), no final de 2021, da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica Portuguesa, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht.
Esta comissão validou, durante cerca de um ano de trabalho, 512 dos 564 testemunhos de abusos que lhe chegaram, o que permitiu a extrapolação para, no mínimo, a existência de 4.815 vítimas desde 1950.
Estas conclusões, apresentadas no dia 13 de fevereiro, levaram já ao afastamento da atividade de alguns padres suspeitos.
Na passada quarta-feira, foi apresentado o Grupo VITA, liderado pela psicóloga forense Rute Agulhas, que dará, em parte, continuidade ao trabalho de acolhimento de denúncias de vítimas, mas, segundo o presidente da CEP, José Ornelas, "vai ter uma parte muito significativa de intervenção, nos próximos dois três anos", que passa por "preparar a Igreja para estar atenta, acolher casos eventuais que vão acontecendo, tratá-los convenientemente, ir ao encontro destas pessoas [vítimas] e dos outros que vêm do passado".
"Mas, também, e sobretudo, preparar tipos de prevenção, de formação de pessoas, sobretudo dos agentes que estão em contacto com crianças", explica o presidente da Conferência Episcopal.
O objetivo passa, ainda, por "montar um sistema que fique na igreja" para o acompanhamento destes casos, com a opção a ir no sentido de "uma organização preferentemente laical e competente".