Crónica de uma queda anunciada
O título deste artigo também podia ser: “Relambório ou mixórdia de trapalhadas governamentais”.
No primeiro “reinado” de António Costa, apesar de ter começado de um modo pouco convencional, parecia que as coisas se iriam endireitar. Pelo menos, na Lei Orgânica do XXI Governo Constitucional, podia ler-se, entre outras coisas, que o governo aprovara o regime de organização e funcionamento “adoptando a estrutura adequada ao cumprimento das prioridades enunciadas no seu Programa. Para cumprir essas prioridades, torna-se necessário um Governo mais colaborativo, o que se traduz na existência de Ministros e Ministras com competências transversais, por exemplo, em matéria de modernização administrativa, de planeamento e de assuntos do mar.”
O Conselho de Ministros aprovou, a 8 de Setembro de 2016, o “Código de Conduta do Governo”. Nesse documento, definem-se “as orientações de conduta para os membros do Governo, para os membros dos seus gabinetes e, individualmente, para os demais dirigentes superiores da Administração Pública, dando assim cumprimento ao objectivo de valorizar o exercício de cargos públicos como forma de melhorar a confiança dos cidadãos nas instituições públicas.”
Foi sol de pouca dura. Ou os ministros não leram ou não souberam ler o que havia sido escrito.
Logo em Abril de 2016, foi demitido João Soares, ministro da Cultura, na sequência do desejo expresso de “dar umas salutares bofetadas” a dois jornalistas (Augusto Seabra e Vasco Pulido Valente), e foi substituído por Luís Filipe Castro Mendes, depois demitido, em 15 de Outubro de 2019, e substituído por Graça Fonseca.
Passando por cima de episódios menos importantes que foram pasto das redes sociais e da imprensa, Constança Urbano Sousa, ministra da Administração Interna, após um “é da confiança do primeiro-ministro”, “talvez ainda seja da confiança”, “afinal já não é da confiança”, foi demitida (ou pediram que se demitisse) em Outubro de 2018, após os trágicos incêndios de Pedrógão Grande (mais de 60 mortes) e do Centro do país (45 mortes).
A ministra da Presidência e da Modernização Administrativa foi substituída, a 18 de Fevereiro de 2019, por Mariana Vieira da Silva; Azeredo Lopes, ministro da Defesa Nacional, demitiu-se (ou foi demitido) em 12 de Outubro de 2018, substituído por João Gomes Cravinho, no seguimento da enorme trapalhada do roubo de armas em Tancos, divulgado pelo Exército em 29 de Junho de 2017, e respectiva “recuperação” (“não sabia”, “sabia”, “não se lembrava”, “não lhe tinha sido dito nada”…) e, finalmente “esclarecido” em 2022, em julgamento; a ministra Constança Urbano de Sousa pediu a demissão da Administração Interna e foi substituída por Eduardo Cabrita (em Outubro de 2017), com todas as suas polémicas, tendo ido para o lugar que este ocupava, Pedro Siza Vieira, como adjunto do primeiro-ministro. O cargo anterior foi abolido. Passou a ministro-adjunto e da Economia, em 26 de Outubro de 2019; Adalberto Campos Fernandes (um dos melhores ministros da Saúde dos últimos anos) demitiu-se do ministério da Saúde, em 15 de Outubro de 2018 (substituído por Marta Temido); o ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques viu o seu ministério abolido e substituído pelos ministérios do Planeamento (Nelson Sousa), das Infraestruturas e da Habitação (Pedro Nuno Santos); o ministério da Economia (Manuel Caldeira Cabral) foi abolido; o ministério do Ambiente (Pedro Matos Fernandes) foi abolido, tendo o ministro transitado para o recém-criado ministério do Ambiente e da Transição Energética.
Passemos ao XXII Governo Constitucional. Como a memória ainda está fresca (os factos, infelizmente, ainda decorrem…) e já esgotei largamente o número de caracteres que me é cedido, gentilmente, pelo DN-M, adoptemos o estilo telegrama, sem preocupações cronológicas: TAP (privatiza, desprivatiza, nem uma coisa nem outra…); ministro Pedro Nunes Santos; eng.ª Alexandra Reis; secretário de Estado Adjunto Miguel Alves; ministra da Saúde Marta Temido; Carla Alves, secretária de Estado da Agricultura (com várias contas bancárias arrestadas); o PRR (execução inferior a 11%); as relações com o Presidente da República; o ministro Fernando Medina (suspeito de tudo e mais um par de botas); o ministro da Economia; o ministro do Mar; o problema do subfinanciamento das forças armadas (a posição ridícula do pretenso candidato a Presidente da República, Almirante Gouveia e Melo); as trapalhadas da reunião preparatória da Comissão de Inquérito sobre a TAP, com as “instruções” à (agora) ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener; as declarações da mesma e de Manuel Beja; a embrulhada de Hugo Mendes antigo secretário de Estado de Pedro Nuno Santos; o caso da mulher do ministro João Galamba; a instalação (de novo) do futuro aeroporto de Lisboa (já – ou ainda? – vai em 9 localizações…); a proposta do ministro da Economia, Costa Silva, acerca da redução do IRC (criticada até pelo seu antecessor); o encerramento das urgências por falta de pessoal; as enormes listas de espera, na Saúde, para tudo e mais alguma coisa; o encerramento de algumas urgências pediátricas e de algumas maternidades; a não aplicação do IVA unicamente em 44 produtos alimentares (parece que passou a 46…); a confusão acerca da requisição de casas desabitadas e a polémica do Alojamento Local; os “Vistos Gold”; o polémico decreto que pretende regular as rendas das habitações; a greve dos professores, dos oficiais de justiça, dos médicos, dos enfermeiros, dos técnicos de diagnóstico e terapêutica, dos maquinistas da CP, dos empregados dos bares dos comboios, da Groundforce, da TAP, dos agricultores, dos pilotos da TAP, dos transportes públicos, a greve geral da função pública, da SINTAC e SQAC (ANA), o aumento brutal do preço dos bens alimentares de primeira necessidade, os problemas nos lares de Terceira Idade e a incapacidade fiscalizadora da Segurança Social, o duvidoso destino da segurança nas fronteiras…
Para finalizar, basta referir, exemplificando o estado de espírito dos cidadãos, fruto da descoordenação política deste governo que pretendia “Virar a página da austeridade”, que, em Janeiro deste ano, foram entregues, no Ministério do Trabalho, 204 pré-avisos de greve, contra 40 no ano 2022…