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Os Caminhos do Senhor

Parece que um visto de entrada num país da União Europeia vale bem uma Jornada católica, sem o embaraço da Inquisição

Das coisas que vamos arrumando no fundo da memória, tidas por inúteis, mas que por vezes teimam em vir à tona, deparei-me com uma velha história sobre um acontecimento algo insólito, de cariz religioso, com mais de meio século, mas nem por isso menos interessante.

Tratava-se de uma afluência de pedidos de visto de entrada em Portugal de membros de uma corrente religiosa muçulmana, os chamados fatimidas. O objectivo era visitar o Santuário de Fátima.

Aparentemente, estranho desígnio: a que propósito crentes muçulmanos se interessavam por um local de culto puramente católico? Se bem que, pela sua religião, reconheçam Cristo como um Profeta (Iassa ben Miriam, ou seja, Jesus, Filho de Maria), uma peregrinação a Fátima tinha algo de insólito.

Os fatimidas têm a sua origem na crença de serem descendentes de Fátima, filha do Profeta Maomé, casada com Ali. Chegaram a constituir um califado, entre os séculos X e XII, centrado no Egipto e abrangendo um território desde o Médio Oriente até à actual Tunísia. Após um período de decadência, califado foi extinto pelo célebre Saladino, quando da sua conquista do Egipto.

Daí a associação com Fátima, nome indubitavelmente de origem árabe.

Ao que parece, o movimento não acabou, uma vez que no século XX ainda dava sinais de vida.

O problema é que havia interesses contrários à presença de muçulmanos em Fátima, mesmo arvorados em pacatos visitantes. E, discretamente, os vistos foram negados.

Com prejuízo para o turismo local, porque, nisto de negócios, há que ser ecuménico.

O despertar desta recordação surgiu pela notícia recente de pedidos de visto de cidadãos de países orientais para acompanhar a visita do Papa, durante as Jornadas Mundiais da Juventude.

Paris vale bem uma missa, disse Henrique IV de França, criado como protestante (huguenote), quando, à vista da cidade cercada, percebeu que a maneira mais fácil de entrar em Paris era através da conversão ao catolicismo. Para ele, era a segunda conversão, desta vez voluntária, já que a primeira, durante o Massacre de S. Bartolomeu, foi feita na alternativa de ser simplesmente morto sem demora.

Pois parece que um visto de entrada num país da União Europeia vale bem uma Jornada católica, sem o embaraço da Inquisição.

E assim budistas, hindus, muçulmanos e outros se encheram de fé ecuménica, e procuram a via de Lisboa, como novo Caminho de Santiago.

Mais fácil de obter que um visto gold, ou a cidadania portuguesa, como sefardita, no caso de muitos asquenazi oriundos da Europa Oriental...