O bom, o mau e o bem-aventurado
Felizmente, Medina veio esclarecer que, na verdade, o parecer não existe. Afinal, não é o parecer que é mágico. É o ministro das Finanças
Era uma vez um parecer. Este não é, todavia, um bitaite jurídico qualquer. Trata-se do documento que, de acordo com Medina, torna juridicamente inatacável o despedimento da administração da TAP. É, portanto, um documento com propriedades esotéricas. De tal forma que o mesmo Governo que o encomendou não se entende sobre a sua existência. Para a ministra Mariana, a divulgação do parecer põe em causa o interesse público. Para a ministra Ana Catarina, o parecer não pode ser entregue, pois está fora do âmbito da comissão de inquérito. Felizmente, Medina veio esclarecer que, na verdade, o parecer não existe. Afinal, não é o parecer que é mágico. É o ministro das Finanças.
O bom: MIUT 2023
O MIUT não se corre só. Corre-se com as centenas de voluntários que emprestam o seu tempo aos postos de abastecimento, à marcação do percurso e à limpeza dos trilhos. Corre-se com os milhares de atletas que, vindos de todo o mundo, se cruzam em silêncio nas serras madeirenses. Corre-se com as famílias e amigos que, ao longo de todo o dia, esperam nos postos de controlo por um vislumbre do seu atleta. Até podem ser os trilhos e as paisagens a imagem de marca do MIUT, mas são as pessoas que o tornam num evento único. Os que correm, os que andam, os que organizam, os que ajudam, os que batem palmas, os que dão alento – são, todos eles, a alma e o sucesso da prova. É essa hospitalidade madeirense, que se encontra e redescobre com o dobrar dos quilómetros nas pernas, que arrasta gente do outro canto do mundo para a linha de partida do Porto Moniz, de São Vicente ou da Boaventura com a certeza de quase nada. Muito menos de chegar a Machico. E, ainda assim, ano após ano, esgotam-se as inscrições, batem-se recordes de participantes e eleva-se a fasquia para o ano que se segue. Este ano não foi diferente. Mesmo ao arrepio de circuitos internacionais e sem o brilho de nomes sonantes, fez-se o melhor MIUT de sempre. Porque apesar do percurso ser (quase) o mesmo, as histórias que os trilhos contam são sempre novas. É à custa dessa ilusão que voltamos sempre à linha de partida. E, em 2024, lá estaremos. Prontos a partir de novo.
O mau: Lula da Silva
Há um conjunto de equívocos sobre a visita de Lula da Silva a Portugal. O primeiro é reduzi-la a um deprimente confronto entre bolsonaristas de ocasião e lulistas por religião. A visita de Estado do Presidente do Brasil não é oportunidade para um concurso de popularidade entre políticos brasileiros, muito menos para ajustes de contas entre trincheiras políticas nacionais. Lula vem a Portugal porque é Presidente. Não porque seja mais ou menos democrata, mais ou menos simpático, mais ou menos amigo do que Bolsonaro. Essas são contas de outro rosário. Essa constatação leva-nos ao segundo equívoco. A participação do Presidente do Brasil na celebração do 25 de Abril. Primeiro foi convidado, depois desconvidado e lá acabou a discursar. Não há qualquer razão histórica, política ou cultural que justifique uma intervenção, perante a Assembleia da República, de um presidente brasileiro, seja ele quem for. Resta, claro está, a razão partidária. Todos sabíamos que a proximidade do 25 de Abril causa, à esquerda portuguesa, episódios de excitação inusitada, acompanhada, em casos extremos, de alucinações com a presença de fascistas. Todavia, usar o nosso dia maior para praticar a política mais pequena é o pior serviço que se pode prestar à memória do 25 de Abril. Usar Lula da Silva para o efeito é especialmente grave. Pelo alinhamento de Lula com Putin, pela desprezo de Lula pela integridade territorial da Ucrânia e pela crítica frontal à União Europeia. Logo a Portugal, pelo apoio dado aos ucranianos. Lula veio a Portugal falar de liberdade, depois de piscar o olho à Rússia e à China. E não há cravo que o esconda.
O bem-aventurado: José Sócrates
Desde o fatídico regresso de Sócrates a Portugal, vindo de Paris diretamente para os calabouços da PSP em Lisboa, há um vulto que paira no ar e nos assombra. Pior ainda do que a possibilidade de um antigo primeiro-ministro ser condenado pela prática de crimes de corrupção, branqueamento de capitais ou falsificação de documentos. Muito pior. O que sempre aterrorizou, neste caso, é a hipótese de José Sócrates nunca chegar a ser julgado pelos crimes de que foi acusado. Quase 10 anos depois da detenção do antigo primeiro-ministro, esse vulto assustador de impunidade começa a ganhar corpo. Primeiro, foi a portaria que regulamenta a distribuição eletrónica dos juízes pelos processos e que o Governo demorou mais de um ano a publicar. Entretanto, Sócrates submeteu dezenas de pedidos de recusa dos juízes escolhidos para o seu julgamento e, na prática, paralisou o processo. Antes, tinha sido uma onda arrebatadora de recursos, a que se seguiu um labirinto processual de irregularidades e nulidades. Conclusão: alguns dos crimes de que Sócrates está acusado começam a prescrever em 2024. Bem-aventurados os que recorrem, porque serão absolvidos. Então, o ar pútrido e irrespirável da impunidade permitirá a reabilitação do animal político e abrirá ainda mais espaço para que os populistas cresçam. Se esse fatídico dia chegar, não há sistema judicial que sobreviva.