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A “arte” de estragar o que temos de melhor

Os portugueses têm muitas qualidades, não fossem um povo que mantém estável e identitária uma nação com centenas de anos. Mas, reconheço igualmente, alguns defeitos. Um deles, o escarnecer o que é nosso, o que nos é comum, muitas vezes resultado de uma perceção imediata, não refletida ou, sequer, consequente.

Constato isso na Comissão de Inquérito à TAP. Quer no conteúdo, quer na forma.

No conteúdo, muito está a ser apurado, evidencia uma gestão política danosa da empresa pelos diferentes governos e, em especial, pelo atual executivo. E, como dizia Sócrates, o grego, “Uma vida não analisada não é digna de ser vivida”, há que tirar as devidas consequências.

Na forma, pois a mesma comissão, revela-se imediatista, folclórica e, no fim, saberemos muitos pormenores sórdidos da gestão da empresa, dos trabalhadores, mas talvez não saberemos responder a uma simples pergunta: O que fazer, em concreto, para que a TAP seja viável e útil para o país?

E esta resposta será útil para Portugal, em especial se não tivermos uma postura dogmática, seja de natureza ideológica, como os dirigentes do PCP, ou uma postura anti-TAP, como inúmeras vezes reafirmada por Rui Rio do PSD.

Não sou nenhum especialista na matéria, nem profissional do setor. A minha perceção é pessoal, também política, alicerçada no feedback dos trabalhadores da empresa. Pousada a poeira, creio que em 30 anos de integração europeia, quatro vetores importantes definem a TAP:

Primeiro, a dívida acumulada;

Segundo, a expansão internacional;

Terceiro, Lisboa;

Finalmente, a resiliência técnica da empresa.

Da primeira, estamos conversados, é enorme e crescente, o que simplesmente traduz que gasta mais do que vende. Outra coisa bem diferente é avaliar o valor acrescentado ao país: em impostos, em emprego e mais e melhor turismo.

Da segunda, creio que poucos têm consciência. A TAP é muito maior do que a dimensão de Portugal faria supor. No pré-Covid transportou 17 milhões de passageiros, sendo 22 na Ibéria espanhola, o que dá nota dessa relação. Basicamente domina o lucrativo mercado entre a Europa e o Brasil, tem hoje uma forte presença nos Estados Unidos e na Africa ocidental. Estes três mercados são responsáveis pela maioria dos proveitos da empresa pois, nas rotas europeias, a competição com as low-cost, torna-as deficitárias. O mercado dos voos dentro de Portugal é pequeno e não é competitivo.

A terceira é um exemplo de anacronismo bem português: Lisboa tem um dos mais desorganizados e sobrelotados aeroportos da Europa, mas a cidade em si, é uma das mais procuradas pelos passageiros para fazer um Stopover de uns dias, entre um voo europeu e um intercontinental. E para constatar que o processo de escolha da localização do novo aeroporto dura há 18 anos…

Da quarta, ninguém fala. Na verdade, apesar de toda a turbulência política e económica em redor da empresa, esta continua a voar, com mais segurança, e menos incidentes, que qualquer outra empresa europeia. Segundo a conceituada AirlineRatings, a Air New Zealand foi a companhia mais segura em 2022, sendo a TAP a quinta, e a única companhia ibérica no Top 20. Pode-se relativizar o que estes trabalhadores e gestores fazem, mas como diz Warren Bennis, a “liderança é a capacidade de traduzir visão em realidade”.

E para além da segurança, a inovação: o fato de Lisboa distar menos de 7 horas da costa leste dos Estados Unidos e do nordeste brasileiro, permitiu à TAP a introdução pioneira do moderno Airbus 321LR nessas rotas, aviões algo menores, nunca antes usados nesses voos, permitindo voar de forma rentável e menos poluente, para mais destinos, ao mesmo tempo com mais voos semanais. Adicionalmente com a vantagem de, depois de atravessarem o Atlântico, aterrarem em Lisboa ou no Porto, e seguirem numa outra rota europeia com o mesmo avião. O predomínio dos mercados americano e brasileiro, associados a esta introdução, reconfigurou por completo a frota da TAP, adaptando-a aos novos desafios desta indústria.

O futuro, diz-se, só a Deus pertence. Luís Rodrigues, o novo CEO da TAP, é mais parcimónio: “não sou jogador de futebol nem estrela de cinema” e a TAP “não é um programa de televisão”. Terá futuro se continuar a “Reestruturação, privatização, paz social e lucros”.