Hoje, 27 de Abril 2023!
A História é feita de factos e os factos são descritos por quem os viveu, não necessariamente por quem os interpreta
Ouvi certa vez, talvez há cerca de dois anos, uma jovem apresentadora de televisão (nascida em 1985, segundo a ficha técnica), referindo-se ao dia 25 do mês quatro de 1974, às suas sequências e consequências, dizer ser a sua geração mais politizada e conhecedora do que a geração da mesma idade daquela altura.
Fazia um paralelo com jovens com o mesmo tipo de formação académica, de então e de agora.
E dizia mais. Dizia que, quando “discutia” com os seus familiares que tinham vivido o “25/04/74”, eles muitas vezes argumentavam que as coisas não eram exactamente como ela dizia que eram, porque eles, de uma ou duas gerações anteriores, tinham vivido os acontecimentos:
- Não é bem assim, porque nós vivemos o 25 de Abril e há coisas que não se passaram como dizes – dizem os seus familiares, ao que ela contrapõe:
- Quando se esbarra num argumento destes, fica difícil, porque nós temos os factos e os factos são diferentes.
Ora bem, a geração dos 30’s/40’s actual, que segundo a dita apresentadora é mais politizada, discute a política actual dos populismos e racismos, enquanto que a geração que viveu o 25 de Abril discutia ideologias e liberdade, discutia fascismo versus comunismo, ditadura e democracia, guerra e paz, descolonização e reforma agrária, quais os melhores caminhos para atingir esses objectivos sem beliscar os direitos que a liberdade eventualmente trazia.
Dizia, a apresentadora, que a geração dela é conhecedora dos factos históricos e que, ao esbarrar nos argumentos de quem viveu a época, fica difícil a argumentação
(“quando se esbarra nisso, fica difícil, porque nós temos os factos” foi a frase!
“Nós temos os factos, não importa se eles viveram a época ou não, nós é que sabemos porque somos mais politizados”, é a conclusão a que chegou a apresentadora.).
Recordo que há cerca de 1990 anos, segundo reza a História, houve um revolucionário que morreu crucificado ali para os lados de Jerusalém, na Judeia. Se olharmos para o que contam os historiadores romanos da época, houve um perigoso subversivo que incitava a uma libertação do povo judeu que, tendo sido julgado por um tribunal judeu, foi condenado a morrer crucificado, sentença aceite pelas autoridades romanas. Já os que com ele conviveram, escrevem uma História diferente, dizendo que a libertação era espiritual e não material, que não havia nada de subversivo na mensagem transmitida, descrevendo uma série de acontecimentos aos quais chamaram de milagres, que atestavam a sua proveniência divina e a sua mensagem de libertação dos males terrenos, e que a sua mensagem era puramente espiritual e não material, como queriam fazer crer os seus detractores fariseus.
Cerca de seis séculos mais tarde, um outro profeta, alterando o curso da História, intitulou-se o enviado de Deus, a que chamou Alá, que sem negar a existência e a referência histórica de Cristo, a quem chamou (e reconheceu como tendo existido) de profeta, mas não divino, criou assim uma nova confissão religiosa, alternativa, conferindo uma perspectiva “política” diferente da existente até então.
A História é feita de factos e os factos são descritos por quem os viveu, não necessariamente por quem os interpreta.
Infelizmente há sempre, de geração em geração, quem esqueça as vivências e se foque nas interpretações, deixando assim florescer interpretações que se podem enquadrar em populismos, racismos, extremismos, tais como os conhecemos actualmente, que se alimentam de posições de desconhecimento causal tal como o evidenciado pela apresentadora que referi
(há poucos dias, li por aqui, alguém falar da DGS – Direcção Geral de Segurança, polícia política do anterior regime como sendo antecessora da PIDE, quando na realidade foi sua sucessora.
Por alturas da “primavera Marcelista” pretenderam “suavizar” o regime de então, mudando o nome de Polícia Internacional e de Defesa do Estado – PIDE, de má memória, para Direcção Geral de Segurança - DGS, tentando dar uma conotação menos sinistra à referida polícia política de má memória
E assim se vão reescrevendo factos que posteriormente outros irão reinterpretar!).
Dito isto, vivi o 25/04/74, em 74, do qual guardo memórias, algumas coincidentes, outras divergentes das realidades às vezes descritas e das interpretações vistas dos vários quadrantes do espectro político de então e de agora.
A minha interpretação dos factos é a minha realidade vivida, que pode ser diferente da realidade de outros, mas não é, não pode ser, causa para alguém “esbarrar” em qualquer troca de argumentos sobre o significado da data que se comemorou há dois dias, independentemente da geração a que pertença!
P.S. – hoje é dia de celebrar o nascimento de mais um madeirense ilustre, empreendedor, criador de empresas, de riqueza, de empregos, também de amizades e cumplicidades com os seus pares em idade, mas também com os mais novos, nos quais me foi incluindo sempre que achou que me poderia ensinar e que eu poderia aprender!
Muitos parabéns pelos 90 anos ao meu Tio José Henrique Cunha, com um agradecimento muito especial por tudo o que me foi passando em sabedoria, inteligência e amizade.