Lavrov reconhece esforços de Guterres para facilitar exportações russas mas "sem resultados"
O chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, afirmou hoje que o secretário-geral da ONU, António Guterres, tem "feito esforços na direção certa" em prol das exportações de alimentos e fertilizantes russos sem sanções, mas lamentou a falta de resultados.
"Não posso dizer que a Organização das Nações Unidas (ONU) não tenha feito esforços na direção certa. Pelo contrário, o secretário-geral, António Guterres, [...] tem defendido isso. Tem tentado chegar a um acordo com os países que anunciaram sanções ilegítimas contra a Federação Russa. Mas praticamente sem resultados", disse Lavrov aos jornalistas, em Nova Iorque.
O ministro das Relações Exteriores da Rússia concedeu hoje uma longa conferência de imprensa na sede das Nações Unidas, onde se encontra por ocasião da presidência rotativa mensal russa do Conselho de Segurança.
Lavrov abordou as negociações e esforços de Guterres em torno da extensão do Acordo dos Cereais do Mar Negro, uma iniciativa firmada no verão passado entre a Rússia e Ucrânia, com a mediação da ONU e da Turquia, que visou o escoamento dos cereais e alimentos bloqueados nos portos ucranianos desde a invasão levada a cabo pela Rússia, em fevereiro de 2022.
Paralelamente ao acordo sobre cereais, foi também firmado um memorando para facilitar as exportações russas de alimentos e fertilizantes, mas que Moscovo diz não estar a ser cumprido.
A Rússia admite mesmo não prolongar o acordo - cujo prazo termina em 18 de maio -, caso não se verifiquem progressos no cumprimento desses compromissos, incluindo o fim dos obstáculos às exportações agrícolas e a reconexão ao sistema bancário internacional Swift do Banco Agrícola Russo Rosselkhozbank.
Na visão de Lavrov, os países ocidentais não pretendem conectar o Banco Rosselkhozbank de volta ao Swift.
"O Rosselkhozbank, o principal credor que atende as nossas exportações agrícolas, foi cortado do sistema Swift e ninguém vai conectá-lo de volta", disse.
De acordo com Lavrov, Guterres recorreu a três bancos norte-americanos para pedir que substituam o Swift e ajudassem o Banco Agrícola Russo a atender às transações de exportação.
O ministro defendeu a necessidade de o Ocidente voltar a ligar o banco russo ao Swift se realmente quiser resolver a questão da falta de alimentos no mundo.
Ainda sobre os esforços de Guterres, Sergei Lavrov disse conhecer o ex-primeiro-ministro português "muito bem" e assegurou que confia nos seus "esforços honestos e persistentes" para "persuadir aqueles que impuseram sanções a abrir uma exceção, pelo menos para a exportação agrícola de cereais e exportação e fertilizantes".
"Esses esforços, infelizmente, não foram produtivos", disse, reforçando que o cenário de impasse face à continuidade do Acordo dos Cereais.
Guterres entregou na segunda-feira a Lavrov uma carta dirigida ao Presidente da Rússia, Vladimir Putin, com uma proposta para "melhorar e prolongar" o Acordo dos Cereais do Mar Negro.
Numa reunião entre ambos na sede da ONU, o secretário-geral expressou preocupação com os recentes obstáculos encontrados pelo Centro de Coordenação Conjunta - grupo que facilita a implementação do acordo dos cereais - nas suas operações diárias.
Nesse sentido, Guterres endereçou uma carta a Vladimir Putin, "delineando uma proposta de roteiro a seguir visando a melhoria, extensão e expansão do Acordo, levando em consideração as posições recentemente expressas pelas partes e os riscos colocados pela insegurança alimentar global", segundo o gabinete do líder da ONU.
Na conferência de imprensa de hoje, Lavrov minimizou ainda o pacote de sanções imposto à Rússia após a invasão da Ucrânia, aplicado principalmente por países ocidentais, argumentando que o seu país está a conseguir "desenvolver a sua própria economia e fazer uso de suas próprias fontes", tudo isso "sem a dependência artificial do dólar".
O governante disse estar convencido de que a guerra na Ucrânia trouxe outra consequência: a perda de importância do dólar como moeda de referência, face a outras moedas ou a moedas digitais, no que classificou de "transição irreversível".
Segundo Lavrov, o mundo está a presenciar "o fim da globalização" e o surgimento da "fragmentação e regionalização", e, nesse sentido, mas sem entrar em detalhes, citou o seu recente encontro com o Presidente brasileiro, Lula da Silva, e uma eventual reforma do Fundo Monetário Internacional.
Neste encontro com a imprensa, o ministro referiu também a prisão do jornalista norte-americano Evan Gershkovich e reconheceu que "há discussões" sobre uma eventual troca de prisioneiros - existem 60 prisioneiros russos que podem ser englobados nesta troca, segundo Lavrov -, mas evitou aprofundar o tema, "porque isso só complicarias as coisas".
O chefe da diplomacia da Rússia aproveitou ainda a ocasião para reclamar da dificuldade dos jornalistas russos em obter vistos nos Estados Unidos, uma política que, na sua visão, visa "silenciar pontos de vista alternativos".
"Adotaremos medidas recíprocas. Certamente levaremos em consideração essa conduta inadequada da liderança dos Estados Unidos quando os norte-americanos precisarem de algo de nós", assegurou Lavrov.
A Rússia, um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e com poder de veto, assumiu este mês a presidência rotativa do órgão, que tem capacidade de fazer aprovar resoluções com caráter vinculativo.
Lavrov viajou para Nova Iorque no âmbito dessa presidência, tendo liderado na segunda-feira a uma reunião sobre multilateralismo e hoje um debate sobre o Médio Oriente.