José Manuel Rodrigues diz que “o país bateu no fundo”
O presidente do parlamento fez uma intervenção em que começou por manifestar toda a solidariedade à Ucrânia, mas em que abordou a situação do país, com um discurso particularmente crítico.
"Saúdo todos os militares e civis que fizeram o 25 de abril e que, antes ou depois do golpe de Estado, trabalharam para implantar e consolidar a Democracia portuguesa, criando as condições para a institucionalização do regime e possibilitando a conquista da nossa Autonomia. Saúdo todos aqueles que, no 25 de novembro, militares e civis, souberam repor a normalidade democrática, evitar uma nova ditadura e repor os ideais do 25 de Abril, conduzindo Portugal a eleições livres e a um Estado de Direito Democrático", começou por afirmar.
Logo depois, dirigindo-se ao grupo de ucranianos que se encontrava nos lugares dos convidados, manifestou total solidariedade.
"Saúdo todos aqueles que, na Ucrânia, lutam bravamente pela soberania do seu país, travando ímpetos imperialistas que julgávamos derrotados no século passado e que combatem em nome dos valores que acreditamos: da Paz, do Estado de Direito e da Concórdia entre os povos. O que está em causa na Ucrânia é o desrespeito pelo Direito Internacional e a Violação da Carta das Nações Unidas".
José Manuel Rodrigues destacou o exemplo de "luta pela liberdade" dos ucranianos e deixou claro que "dure o tempo que durar esta guerra, os ucranianos contam com o nosso apoio, com a nossa solidariedade e com as nossas orações. A vossa luta é a nossa luta. É a luta pela liberdade, pela democracia".
Portugal bateu no fundo
A segunda parte do discurso foi para abordar o relacionamento entre a Região e o poder central e dirigir duras críticas a Lisboa.
"No dealbar de quase meio século do 25 de Abril, temos motivos para festejar o caminho percorrido para desenvolver e fazer crescer económica e socialmente os portugueses, mas temos, também, substanciais razões para nos preocuparmos com os rumos para onde caminha Portugal. Se é verdade que, nestas cinco décadas, demos passos decisivos na democratização da educação e na elevação das qualificações académicas dos nossos concidadãos; se é verdade que o acesso à saúde é um direito de todos e que atingimos taxas sanitárias impensáveis há poucas décadas; se é verdade que os portugueses dispõem, hoje, de condições básicas de vida idênticas às dos europeus, é igualmente certo que estamos longe de ter o crescimento económico, a produtividade, os salários e a qualidade de vida que tem a maioria dos cidadãos da União Europeia".
Portugal que está na cauda do pelotão da União Europeia, "ultrapassados por antigas repúblicas soviéticas, devido aos baixos níveis de crescimento da economia, pese embora os vultuosos apoios comunitários europeus que continuamos a receber". A este atraso económico, sublinha, acresce "a profunda degradação do funcionamento das organizações do sistema político e mesmo das instituições do regime democrático".
"Uma imensa maioria de portugueses tem a percepção de que o país bateu no fundo, de que os governantes perderam a noção do interesse público, de que os políticos não agem para servir o Bem Comum e de que quem trabalha para a res publica não tem sentido de Estado", afirmou.
Por isso, não estranha o crescimento do populismo, o aumento do radicalismo e atitudes extremistas que "põem em causa a própria Democracia".
"O Portugal de hoje, politicamente, não é muito diferente do Portugal do início do século XX e todos sabemos como acabou a I República. Começa a ficar em causa o próprio funcionamento das instituições democráticas, e isso é motivo para quem de direito acionar, no momento adequado, os mecanismos constitucionais que conduzam a uma normalização da vida política e cívica do país", alertou.
Protesto contra a Assembleia da República
O presidente do parlamento regional também manifestou o seu "veemente protesto pelo facto de a Assembleia da República desrespeitar, mesmo que pontualmente, os direitos das Regiões Autónomas, nomeadamente o direito, constitucional e estatutário, de ouvir os Órgãos de Governo próprio sobre as leis com aplicação na Madeira e nos Açores".
Não compreende como é que se aprova uma lei da morte medicamente assistida, com aplicação em todo o país e com implicações nos serviços regionais de saúde, "e não se ouvem os Órgãos de Governo próprio das Regiões Autónomas que tutelam esses serviços".
Também vão aceita que se tenha legislado sobre o IVA zero num cabaz alimentar, que implica uma redução das receitas fiscais próprias, "e não se pede parecer aos Parlamentos Regionais, que aprovam os Orçamentos das Regiões".
" A Assembleia da República faz, nestes casos, tábua rasa das leis que aprova e que a própria deveria ser a primeira a cumprir".
Um "vírus do centralismo" que ressurgiu "em força nas instituições do Estado". Não aceita que "alguns queiram ferir de morte a nossa Autonomia, precisamente uma das maiores realizações da Democracia portuguesa proporcionada pelo 25 de abril".
José Manuel Rodrigues também defendeu o aprofundamento da Autonomia e deixou propostas.
"O fim de ciclo político que vivemos, com uma descrença generalizada dos cidadãos nas instituições do Estado, exige uma profunda revisão da Constituição, que expurgue da Lei Fundamental toda a carga ideológica que impede determinadas reformas estruturais, desde há muito consideradas como prioritárias; que liberte a economia de constrangimentos constitucionais incompatíveis com a competitividade do mercado livre; que garanta um novo equilíbrio de poderes no sistema político, acentuando o pendor presidencial, nomeadamente na nomeação dos órgãos reguladores e na designação dos titulares de altos cargos da Justiça; que assegure uma descentralização real e efetiva de poderes e meios financeiros do país e que aprofunde a Autonomia legislativa e fiscal da Madeira e dos Açores".
Um "renascimento da Democracia" que também obriga a uma reforma do sistema político, com "uma nova Lei Eleitoral que reduza o número de deputados à Assembleia da República, que introduza os círculos uninominais, para que os cidadãos se sintam identificados com os seus eleitos, reduzindo, assim, o caciquismo e o poder das máquinas partidárias, e que possibilite uma maior aproximação do povo à instituição que o representa".
Limitação do número de mandatos de todos os cargos executivos é outra das propostas, bem como a redução dos custos com campanhas eleitorais, introdução do voto electrónico em todos os actos eleitorais e redução do número de deputados da Assembleia da República.