Espanha retira corpo de fascista espanhol Primo de Rivera de Vale dos Caídos
Espanha retirou hoje o corpo do fundador do partido fascista Falange Espanhola, Jose Antonio Primo de Rivera, do Vale dos Caídos, o memorial da ditadura franquista onde esteve também enterrado, até 2019, o general e ditador Francisco Franco.
Os restos mortais de Primo Rivera, que estava enterrado no altar principal da basílica construída no Vale dos Caídos, ao lado, até 2019, de Franco, foram exumados e, a pedido da família, levados para um cemitério da cidade de Madrid.
Os restos mortais de Primo de Rivera foram exumados hoje durante a manhã, com o recinto do Vale dos Caídos encerrado (como já aconteceu nos dias anteriores, para evitar concentrações e manifestações falangistas) e sem acesso a meios de comunicação social, que só puderam registar a entrada e saída do carro funerário.
Cerca de uma dezena de pessoas apoiantes da Falange Espanhola concentraram-se na entrada do recinto e outras 200, rodeadas por um cordão de polícias, fizeram o mesmo nas imediações do cemitério de San Isidro de Madrid, onde exibiram bandeiras e outros símbolos franquistas e falangistas, entoaram gritos de teor fascista e de apoio à Falange e fizeram a saudação nazi.
O ministro da Presidência, que tutela a Memória Democrática no governo espanhol, Félix Bolaños, afirmou na quinta-feira passada que a exumação e trasladação do corpo de Primo de Rivera é "mais um passo" na mudança que se pretende dar ao significado do Vale dos Caídos e para que neste local "não se enalteça nenhuma pessoa e ideologia que invoque a ditadura".
Ao abrigo da nova lei de Memória Democrática de Espanha, em vigor desde outubro passado, e de outra legislação anterior, nos últimos anos, Espanha retirou o corpo de Franco do Vale dos Caídos e de outros generais ligados à ditadura e ao franquismo de basílicas e monumentos onde estavam enterrados.
A nova lei mudou o estatuto e nome do Vale dos Caídos, para Vale de Cuelgamuros, e além de proibir no local "atos de natureza política ou de exaltação da Guerra [Civil], dos seus protagonistas ou da ditadura", estabelece que "as criptas adjacentes à Basílica e os túmulos existentes na mesma têm o caráter de cemitério civil".
Por ter sido fuzilado no início da guerra civil espanhola (1936-1939), Primo de Rivera, filho de Miguel Primo de Rivera, líder da ditadura espanhola de 1923 a 1930, é considerado uma vítima desse conflito e por isso havia a possibilidade legal de que pudesse permanecer nas criptas do Vale de Cuelgamuros, embora fora da basílica, mas a família recusou.
No Vale de Cuelgamuros estão enterrados restos mortais de mais de 33.800 pessoas que combateram nos dois lados da guerra civil, um terço dos quais estão por identificar.
Ao abrigo da nova legislação, foi extinta a Fundação de Santa Cruz do Vale dos Caídos, que administrava o monumento, e o objetivo é transformar o recinto num local de memória democrática.
O Vale dos Caídos é um memorial franquista monumental do qual faz parte uma basílica construída entre 1940 e 1958, a cerca de 40 quilómetros de Madrid, e foi esculpido na encosta de uma montanha, tendo sido utilizados condenados na sua construção, incluindo presos políticos na época de Franco.
A Lei de Memória Democrática pretende alargar a reparação das vítimas da guerra civil (1936-1939) e da ditadura franquista que se seguiu (1939-1975).
A lei foi proposta pelo Governo espanhol, formado por uma coligação que junta o partido socialista (PSOE) e a plataforma de esquerda Unidas Podemos e foi aprovada pelo Senado com 128 votos a favor, 113 contra e 18 abstenções.
A nova lei, que substitui outra de 2007, aprovada durante o governo socialista de José Rodríguez Zapatero, reforça o compromisso de Espanha na procura de desaparecidos durante a guerra civil e o franquismo e abre a porta à investigação de possíveis violações de Direitos Humanos durante o período que se seguiu à aprovação da Constituição, entre 1978 e 1983.
Em paralelo, amplia a definição de vítimas, que passa a incluir pessoas LGBTI (lésbicas, 'gays', bissexuais, transgénero, intersexuais), crianças adotadas sem consentimento dos progenitores e as línguas e culturas basca, catalã e galega, entre outros casos.
Mais de 500.000 pessoas morreram na guerra civil entre as forças nacionalistas rebeldes lideradas por Franco e os defensores de uma República espanhola.
Franco declarou-se vencedor em 01 de abril de 1939 e há mais de 110.000 vítimas mortais da guerra e da ditadura que ficaram por identificar.