Análise

É preciso ouvir o grito de quem sofre

Se o leitor precisar de consultar um psiquiatra ou um psicólogo revela a informação aos seus colegas ou ao seu superior hierárquico? Quase de certeza que não. Mas se precisar de ir, no horário de expediente, ao cardiologista, ao ortopedista ou ao dermatologista não terá qualquer prurido em revelá-lo. Há não muito tempo alguns psiquiatras usavam dois modelos de papel timbrado, utilizado para passar receitas ou para qualquer justificação clínica: num constava o nome e a especialidade e noutro surgia o nome seguido da designação ‘Médico(a)’. A esmagadora maioria dos pacientes optava pela segunda opção, mais prudente e sigilosa. Estas duas situações descrevem na perfeição como se encontra o estado da Saúde Mental entre nós. Continua estigmatizada, secundarizada, relegada para o fim da linha, de difícil acesso para quem não tem dinheiro para recorrer aos serviços privados, com a desvantagem de que muitos seguros não cobrem este tipo de custos. Os problemas de índole psicológica são transversais a quase toda a sociedade e devem ser acautelados desde tenra idade. Todos os relatórios apontam nessa direcção. Contudo só parecemos acordar para esta realidade quando confrontados com a brutal notícia de um suicídio ou com comportamentos desviantes em público, muitos como consequência do abuso de drogas. Nas escolas e na universidade são também cada vez mais os alunos que precisam de ajuda, por uma série de factores capitaneada pela ansiedade, seguido das dependências de jogos e consumo de drogas. Infelizmente alguns casos terminam de forma trágica, muito por inexistência de um acompanhamento efectivo, profissional e de um baixar de braços condenável.  Sem mais delongas, tem de ser dada uma resposta imediata a um problema que se agiganta, um problema de saúde pública.  No final de 2022, havia em atraso, no SESARAM, 422 consultas de Psiquiatria. Desconhece-se a espera para Psicologia, mas não deve andar muito longe disso. Tem de ser encontrado um caminho assente numa sinergia eficaz entre as diversas entidades públicas e por exemplo a Ordem dos Psicólogos – que dispõe de 600 profissionais inscritos na Região – para que exista uma acção verdadeiramente preventiva e de acompanhamento junto dos mais vulneráveis. E eles estão identificados. Não deverá ser o Serviço de Urgência a porta de entrada para patologias que podem ser tratadas em ambulatório. Que seja criada uma ‘via verde’, como já existe e bem para outras doenças agudas, para acudir aos casos extremos que desembocam no hospital. O doente em sofrimento psicológico severo não tem de aguardar vez numa sala repleta de pacientes com outros problemas. Tem de ser de imediato encaminhado e atendido por um especialista. O regime de prevenção é ineficiente e demorado em muitos casos e os médicos internistas não conseguem apagar todos os fogos. Não se admite a continuação da prevalência de uma saúde mental espartilhada. A presença de psicólogos, 74 no SESARAM, espalhados pelos centros de saúde, hospital e cuidados paliativos – tem de ser reforçada. É urgente atender (ouvir) o grito de quem sofre.

2. Estamos a dois dias do 49.º aniversário da Revolução dos Cravos, “do dia inicial inteiro e limpo. Onde emergimos da noite e do silêncio”, como tão bem eternizou Sophia. Que os valores de Abril nos guiem, nos despertem e nos façam reflectir porque são precisas novas e robustas mentalidades, como bem caracterizou a escritora Irene Lucília Andrade, em entrevista ao DIÁRIO. Faço minhas as suas palavras. Urge uma reflexão profunda sobre o ‘estado da arte’. De facto, as multifacetadas formas de bullying, a difamação nas redes sociais e a corrupção são as novas formas de tortura. Para perdurar Abril é necessário saber proteger a democracia. Esta nunca pode ser vista como um dado adquirido.

3. Os números do desemprego registado na Região são animadores. É preciso recuar 14 anos para encontrarmos valores mais baixos. Contudo não se pode embandeirar em arco. Dois em três dos 9.500 sem trabalho não recebem subsídio de desemprego. Apesar de também o RSI ter diminuído consideravelmente há ainda muitos casos de pobreza extrema, de subsídio-dependentes e de gente que não trabalha nem estuda.