Hungria quer permitir denúncias anónimas contra opositores de leis do casamento e de género
O governo húngaro propôs hoje uma nova lei que permite aos cidadãos denunciar anonimamente aqueles que "desafiam" as suas ideias sobre casamento, família e género, no meio de preocupações da comunidade LGBT+.
Segundo o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Gergely Gulyas, o texto legal visa simplesmente harmonizar a legislação com uma diretiva da União Europeia (UE) de 2019 sobre a proteção dos informadores.
"Adoptámos uma norma europeia", ao mesmo tempo que "destacamos certos aspetos", justificou Gulyas, em resposta às críticas.
Votada pelo parlamento na semana passada, a alteração a uma lei de 2014 alarga a lista de áreas em que os cidadãos podem denunciar anonimamente.
Com o objetivo de "proteger o modo de vida húngaro", autoriza a denúncia de "qualquer desafio ao casamento", que está consagrado na Constituição desde 2019 como a união de um homem e uma mulher.
Encoraja igualmente a denúncia de pessoas que negam "o direito das crianças a uma identidade correspondente ao seu género de nascimento".
Numa visita hoje a Budapeste, a ministra francês dos Assuntos Europeus, Laurence Boone, discutiu a questão com vários ministros.
"Levantei esta questão (...) explicando que, claro, não era uma lei que estivesse de acordo com os valores europeus", revelou a ministra aos jornalistas.
Além disso, o espectro é "tão vasto que inevitavelmente suscita preocupações quanto à implementação. Isto não é um bom sinal político", acrescentou Laurence Boone.
Para Aron Demeter, porta-voz da Amnistia Internacional, a lei na forja está em linha com "a campanha homofóbica e transfóbica do governo" húngaro.
A medida não conduzirá a quaisquer sanções de acordo com o governo húngaro, mas mina os direitos fundamentais da União Europeia (UE) ao alimentar "um clima de medo e auto-censura", considerou Demeter.
"Alguns receiam que as crianças sejam retiradas de famílias do mesmo sexo" com base em futuros relatórios, alertou ainda.
Desde 2018, a Hungria tem vindo a alterar gradualmente a sua legislação como parte do projeto social do primeiro-ministro Viktor Orban no sentido de provocar uma "nova era anti-liberal".
Proibiu os estudos de género, o registo da mudança de estatuto civil e a adoção por casais do mesmo sexo.
Desde 2021, a lei também proíbe a discussão da mudança de sexo ou homossexualidade com menores e foi aberto pela Comissão Europeia um processo de infração, apoiado por 15 países da UE.
A Hungria costumava ser um dos países mais liberais da região. A homossexualidade tinha sido descriminalizada desde o início da década de 1960 e as uniões civis entre casais do mesmo sexo reconhecidas desde 1996.