Será verdade que a publicidade ao tabaco é totalmente proibida no Desporto?
A publicidade aos produtos de tabaco em provas desportivas é totalmente proibida por lei. Será mesmo assim?
Até há cerca de duas décadas, era muito comum haver marcas de cigarros a patrocinar eventos desportivos em todo o mundo, muito especialmente provas e equipas de automobilismo. Nomes como ‘Marlboro’, ‘Camel’ ou ‘John Player Special’ apareciam como patrocinadores principais de carros de Fórmula 1. A nível nacional e regional também era assim. Para dar um exemplo, Henri Toivonen venceu o Rali Vinho Madeira de 1984 num Porsche com as cores da marca de cigarros Rothmans.
The 1984 Madeira Rally | Henri Toivonen and the Rothmans Porsche 911
Coming into the 1984 Madeira Rally, just one point separated the European Rally Championship leader Henri Toivonen, driving the Rothmans Porsche 911 and Ital...
A situação começou a mudar quando os estudos científicos sobre os malefícios do tabaco para a saúde passaram a ser levados mais a sério. Gradualmente, as autoridades europeias e portuguesas adoptaram estratégias e medidas para desincentivar o hábito de fumar e de consumir produtos de tabaco. Em Portugal, a primeira lei geral sobre prevenção do tabagismo entrou em vigor há 39 anos e era clara sobre a razão que estava na sua origem: “Anualmente morrem 100.000 pessoas nos países da Comunidade Económica Europeia por cancro do pulmão (…). O tabagismo foi considerado responsável pelo aumento do cancro do pulmão e de muitas outras doenças, entre as quais as cardiovasculares”. Já nessa altura foram implementadas algumas restrições à publicidade ao tabaco.
A malha legal foi-se apertando. Até que, há 15 anos, entrou em vigor a Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto. Este diploma nacional, que transpõe para o ordenamento nacional a Directiva n.º 2003/33/CE do Parlamento Europeu, determina que “são proibidas todas as formas de publicidade e promoção ao tabaco e aos produtos de tabaco, incluindo a publicidade oculta, dissimulada e subliminar, através de suportes publicitários nacionais ou com sede em Portugal”. As infracções a esta lei constituem contra-ordenações punidas com coimas de 30 mil a 250 mil euros se o infractor for uma pessoa colectiva e de 2.000 a 3.750 euros se o infractor for pessoa singular.
Acontece que este diploma nacional foi adaptado à Região Autónoma da Madeira pelo Decreto Legislativo Regional nº 41/2008, que prevê que, no caso de eventos de prestígio internacional e de relevante interesse regional, reconhecidos por resolução do Conselho do Governo Regional, possam ser levantadas as restrições à publicidade do tabaco.
Por várias vezes o executivo madeirense accionou este mecanismo de excepção à lei do tabaco. Logo em 2009, por exemplo, o Governo presidido por Alberto João Jardim autorizou “excepcionalmente o patrocínio por empresas do sector do tabaco” ao Rali Vinho Madeira, por ser “o evento desportivo realizado na Região que mais projecta a Madeira, sendo transmitido por diversas cadeias de televisão, atingindo grandes audiências e constitui uma importante forma de promoção da Região no estrangeiro”, além de ser “um dos maiores eventos sócio-desportivos da Madeira, intensamente acarinhado, vivido e participado por todos os madeirenses, contribuindo também para a dinamização da economia Regional”.
Também o Governo Regional presidido por Miguel Albuquerque já permitiu publicidade de tabaqueiras em provas automobilísticas. Foi o que aconteceu em Outubro de 2021, com o Rally Madeira Legend. Neste caso, justificou-o com o facto de se tratar de uma “prova desportiva de prestígio internacional e de relevante interesse regional”, que pretende “reviver as famosas ‘Voltas à Ilha da Madeira em Automóvel’, evento intensamente vivido por várias gerações de madeirenses e que esteve na génese do actual Rali Vinho da Madeira”, e que só eram “possíveis graças ao patrocínio, de provas e ou veículos, por parte de empresas do sector do tabaco”.
Por outro lado, ao longo dos anos, várias equipas madeirenses de automobilismo foram patrocinadas por produtos de tabaco. Carros pilotados por Miguel Nunes, Pedro Paixão ou Alexandre Camacho ostentaram a marca ‘Play’, registada pela Fábrica de Tabaco Micaelense.
A validade da base legal que tem permitido abrir excepções à publicidade do tabaco no automobilismo madeirense levanta, no entanto, dúvidas. Uma análise jurídica ao tema dos patrocínios de actividades desportivas por marcas de bebidas alcoólicas e produtos de tabaco, de âmbito nacional, da autoria de João Lima Cluny e Jorge Morais Carvalho (ver parecer aqui), concluiu que presentemente “a publicidade ao tabaco no desporto é totalmente proibida”. Estes especialistas observam que o Decreto-Lei n.º 226/83 abria algumas excepções para provas de prestígio internacional (como o Rali Vinho Madeira, Rally de Portugal ou a Baja Portalegre 500), mas que esse diploma foi revogado com a entrada em vigor da Lei n.º 37/2007. Assim, “desde 1 de Janeiro de 2008, deixou de ser possível fazer publicidade ao tabaco, mesmo nas provas desportivas de grande prestígio internacional” e “nem uma equipa nem uma competição podem ser patrocinadas por uma marca de tabaco, a qualquer nível, desde que exista uma forma de comunicação desse patrocínio”.
Apesar desta leitura, a verdade é que o Governo Regional continua a permitir, em casos pontuais, publicidade ao tabaco em provas automobilísticas. O tira-teimas sobre a legalidade deste regime de excepção só poderia ser feito em tribunal, eventualmente na contestação a alguma contra-ordenação.