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Publicidade política com novas regras para combater a desinformação

Há pouco mais de um ano, estava em Lisboa, a conversar descontraidamente com a minha sobrinha e falámos na hipótese de ir ao teatro. O meu telemóvel estava em stand-by, aparentemente adormecido. Momentos depois, quando acedi à Internet, confesso que fiquei um pouco irritada com as sugestões que me apareceram no ecrã: várias opções de teatro na capital portuguesa. Já tinha lido que empresas como o Facebook e a Google usavam o microfone dos smartphones para publicidade ou recomendações no feed de notícias, mas achava que não o faziam.

Era só o que me faltava! Uma coisa é que, na sequência de pesquisas feitas em motores de busca e de publicações ou dados que eu partilhe nas redes sociais, me surjam sugestões, mas outra – bastante diferente – é que a Internet “ouça” as minhas conversas!!! Após alguns malabarismos, como desligar o microfone, acabei por preferir aceitar que, efetivamente, as sugestões só podem surgir devido à sincronização de equipamentos ou que resultam de meras coincidências.

Enfim... Quem já não se sentiu perseguido por este tipo de sugestões?

Quem mergulha no mundo digital, arrisca-se inevitavelmente a entregar de bandeja os seus dados. As redes sociais, os motores de busca e outros provedores de serviços digitais procuram, através de inteligência artificial, aproveitar informações que possam interferir na decisão de compra do potencial público-alvo dos anunciantes.

Os dados que partilhamos inocentemente ou que autorizamos que de alguma forma sejam recolhidos (são tantas as estratégias...), são usados algoritmicamente para definir preferências, estilos de vida, interesses, etc.

Hoje, a publicidade online está mais regulada. Durante muito tempo, a ausência de regras no mundo digital fez com que algumas empresas cometessem ilegalidades e facilitassem a publicitação, na Internet, de conteúdo prejudicial, o que facilitava ainda mais a proliferação de fake news. Em 2022, a Lei dos Mercados Digitais e a Lei dos Serviços Digitais vieram ditar importantes normas para toda a UE. Infelizmente, continuamos a não estar totalmente protegidos, pelo que a difusão de conteúdos desinformativos online ainda é uma constante.

E é precisamente para combater a desinformação, entre outros propósitos, que a UE está a tentar alterar as regras em vigor para a publicidade na política, com um regulamento sobre a transparência e o direcionamento da propaganda política, que foi recentemente aprovado pelo Parlamento Europeu e que – se houver consenso – deverá entrar em vigor antes das Eleições Europeias de 2024.

A proposta de regulamento pretende garantir mais transparência sobre a origem dos anúncios políticos, proibir o microdirecionamento (para proteger os dados pessoais), combater a interferência de países externos e aplicar sanções e coimas.

Como seria de esperar, de imediato, grandes empresas como a Google insurgiram-se contra, não só por verem o seu negócio afetado, mas porque a aprovação do regulamento pode ter consequências indesejadas para ativistas, ONG e criadores de conteúdo, que podem deixar de ver as suas publicações a serem recomendadas sempre que estas contenham matérias entendidas como sensíveis do ponto de vista político.

Vamos ver como corre, pois o regulamento vai interferir com todo o tipo de campanhas eleitorais, não só europeias como nacionais e regionais.