A “Coltura”
1. Disco: Só para lembrar que já é possível pôr os ouvidos no novo dos Metallica: “72 Seasons”. De nada.
2. Livro: adoro fazer listas. De livros principalmente. Quando se aproxima o Natal e o meu aniversário monto-as com enlevo. Faço, desfaço. O que hoje é um querer, amanhã pode deixar de o ser. Quando satisfeito, distribuo-as a quem de direito. Muitas das vezes pega e o resultado preenche-me sempre. Mas também gosto de receber livros sem estar à espera. Foi o que aconteceu com este “Contos de Odessa”, de Isaac Babel, que mão amiga fez-me chegar. Uma delícia. Um livro intimista e cheio de marcas de oralidade.
3. Há dias em que me sinto como se vivesse num labirinto. Que por mais que procure a saída, esta teima sempre em se esconder. Obrigo-me a andar atento e mesmo assim muito me escapa.
O debate sobre o investimento na cultura não me escapou. Porque é assunto ao qual sou sensível e porque me obrigo a assistir a todos os debates mensais. Alguns deles faço-o “in loco”. Não devem ter sido muitos os que assistiram até ao fim a este fadário.
No essencial não foi um debate que tenha diferido daquilo que mais acontece na Assembleia Legislativa Regional da Madeira. Constante “spin”, perguntam-se pelos alhos e recebem-se bugalhos. Foge-se constantemente às questões levantadas, e o debate, que devia ser de ideias, torna-se um arrazoado de ataques e ataquezinhos. É cansativo e inócuo. Mais uma “troca de argumentos (?)” que não serve para mais do que dar mau nome à política, aos partidos e à democracia.
Como sempre tudo começou com uma fastidiosa intervenção de Miguel Albuquerque, que desenrolou o rol de coisas que o seu governo pagou. Não foram os contribuintes que pagaram, foi o Governo do PSD, que deve ter uma máquina de imprimir dinheiro, uma galinha dos ovos de ouro ou uma árvore das patacas.
Depois vieram as asneiras e o tratamento dos números de modo enviesado. Que se tinha investido na cultura 1,2% do PIB, uma mentira facilmente apanhada. Queriam referir-se ao PIDDAR. Como acham muito, pensando que ninguém percebe nada disto ou ninguém assiste, têm sempre a esperança que estas trapalhadas passem. E não é que no parlamento passou?
Esta incompetente maneira de tratar números, exigia uma correcção na hora e pedia uma pergunta que ninguém da oposição fez: já que foram, incorrectamente, por aí, quanto é que pesa a cultura no PIB?
Os números, para uma avaliação correcta, devem ser trabalhados face ao Orçamento e não ao PIB e muito menos ao PIDDAR. Ora, o que a União Europeia recomenda, como verbas alocadas à Cultura, é o valor de 1%. No nosso caso, o valor para este sector é de 0,45% do Orçamento Regional. Ou seja, nem metade do recomendado. Goste-se ou não, é esta a realidade e está longe de ser um “fait divers”.
Quem nos governa, ou finge que o faz, não distingue a diferença entre entretenimento e cultura. Põe tudo no mesmo saco, baralha e distribui. Um verdadeiro disparate. Entretenimento e cultura, embora de mãos dadas, são coisas completamente diferentes. Mesmo que a actividade, aparentemente, possa ser a mesma. Ir tocar a uma festa popular é entretenimento, tocar numa sala de espectáculos pode ser cultura. Toda a cultura é entretenimento (sim, tenho a noção de que me estico), mas muito entretenimento não é cultura.
Cultura é comportamento, tradição, conhecimento, língua, gastronomia, religião, música, arte, dança, indumentária, etc. Entretenimento é entreter, divertir, distrair. Um concerto da Orquestra Clássica é cultura, o desfile de Carnaval é entretenimento. E não têm nada a ver um com o outro.
Tive a oportunidade de ouvir, ao longo do debate, verdadeiras pérolas: “A ideia destes senhores é ter uma sociedade controlada, como acontece a nível nacional. (…) Uma sociedade de dependentes, com o desaparecimento da classe média e com o nivelamento por baixo, a chamada mediocridade” – Miguel Albuquerque. Como é? Sociedade de dependentes? Nivelamento por baixo? Mediocridade? Deus nos livre disso. Não é, Senhor Presidente? Deus nos livre.
E continuou: “A cultura existe exactamente para criar "background" e sobretudo espíritos livres, espíritos críticos (…). Eles querem (…) cidadãos dependentes, cidadãos que vivam à custa do subsídio (…), cidadãos que estejam intimidados face ao Estado”, insistiu, para que ficasse bem claro.
Albuquerque quer dizer umas coisas, com aquele ar “blasé”, enfastiado, de quem quer mostrar que não tem pachorra para “esta gente”. Esta nova versão, porque já lhe conhecemos outra, pretende ser uma espécie de Jardim 2.0. Não consegue. Falta-lhe tudo.
O Sr. Fonseca mandou umas papaias sobre o mecenato. Desconhece que dentro do PSD Madeira existe, pelo menos, uma proposta de alteração da dita lei que tanto criticou, e bem. O Sr. deputado já está há tanto tempo no parlamento regional que é uma peça de mobiliário. Um tipo de bengaleiro. Pergunta-se porque é que nunca tomou a iniciativa de tentar alterar as coisas?
Não sou propriamente um fã do JPP, mas procurar comparar a Capela de São Paulo com um fontanário é ridículo.
Outra pergunta que não ouvi: quais são os museus regionais, dado que os números de visitas aumentaram significativamente (governo “dixit”), que se tornaram autossuficientes em termos financeiros? Quantos abaixo disso? É que se todos devem pagar porque no final há contas a saldar, as perguntas fazem todo o sentido.
Nem uma palavra sobre a aplicação de novas tecnologias à cultura. Realidade virtual e aumentada, visitas virtuais, etc.
Obras e subsídios, subsídios e obras. Foi o que mais se ouviu. Cultura de pacote, onde as obras (obviamente necessárias) e o subsídio são a imagem de marca.
Sobre o Museu do Romantismo umas perguntas que também não foram feitas: com que espólio? Onde pára o que estava na Quinta do Imperador?
Depois o Sr. Presidente enfastiou-se com o debate e deixou de participar. Passou a bola ao Secretário da tutela, ficando por lá o da Educação a mostrar que a tem pouca, a avaliar pelas bocas que mandava a um e a outro. Eduardo Jesus deixou claro que o Museu da Música, em boa hora sugerido pela Associação Xarabanda, está estabilizado. Estabilizado? O que raio é um Museu estabilizado? Teve um ataque e está a recuperar? Não ata nem desata? Está tudo parado? Caramba que só me ocorrem perguntas…
O Sr. Secretário tem uma teoria mirabolante sobre o facto de os artistas em todo o mundo se revoltarem e por cá andarem sossegadinhos. Se ouvisse o que eu ouço… de muitos que, muito provavelmente, não lhe o dizem à frente. A explicação é simples. Eu ajudo. A grande maioria dos artistas regionais, ou não são trabalhadores a tempo inteiro, desempenhando outra actividade que os sustem, ou dependem da cultura socialista de Estado promovida pelo Governo Regional. Foi longa a lista de organizações apresentada por quem nos governa. Até referiram, lá pelo meio, que compram obras aos pintores, contratam músicos para os eventos que organizam, subsidiam a torto e direito tudo o que mexe, editam como se fossem editora, etc. Não “matem” o mensageiro, quem o disse foram os responsáveis pelo sector.
4. Nos últimos tempos uma página no Facebook faz um notável trabalho de alertar para uma série de património histórico e religioso da região que está ao abandono ou sem uso. Chama-se “Na Hora” e presta um serviço de grande importância. Permitam que deixe aqui uma lista incompleta do que têm abordado, ao qual tomo a ousadia de acrescentar uns quantos de que me lembrei. Uns públicos, outros privados: Forte dos Louros, Fortaleza do Pico, Capela de São Paulo, Forte de São Fernando, Forte do Porto Novo, Vigia do Pico do Facho, Cristo Rei, Casa do Agrela, Forte de São João Baptista, Forte de Santiago, Muralhas do Funchal, Forte de São José, Forte do Pico (Pico Castelo), Forte de São Sebastião, Miradouro do Fio, Vigias de Baleias, Quinta da Piedade, Solar dos Esmeraldos, Capela Nossa Senhora do Rosário. Só para entreter.