Na Lama
A semana passada assistimos a imagens verdadeiramente surreais do líder religioso do budismo tibetano, Dalai Lama, que numa cerimónia pública, pediu a um menor que lhe desse um beijo na boca e de seguida, colocando a língua de fora, sugeriu que a chupasse. A criança, visivelmente incomodada e desconfortável com a situação mostrou resistência e a cena ficou por ali. O pedido de desculpas posterior pouco relevante me parece para a matéria. Pergunto-me, depois de toda a polémica com os padres, se estaremos a assistir em pleno século XXI ao desmoronar do conceito religioso como o conhecemos e se novas ordens espirituais se levantarão. A verdade é que tudo isto é mau demais. Assim como são ridículas as vozes que logo se levantaram como que desculpando a atitude por ser um hábito na dita religião colocar a língua de fora. Pergunto-me, porque é legítimo nos questionarmos, quais serão os hábitos que se escondem no silêncio dos templos e quais são as razões que levam o líder de uma religião que ainda assim até era visto pela sociedade como uma figura consensual a tomar tal atitude de uma forma completamente natural fazendo crer a quem vê de fora que este tipo de ações podem ser normalizadas e seguidas por outros sem que daí se veja qualquer mal. Vivemos claramente num tempo em que nos faltam referências e exemplos que nos guiem através das suas boas práticas. Este é “só” mais um a juntar aos vários a que temos assistido recentemente mas que nos devem deixar alarmados e preocupados.
As nossas televisões estão cada vez mais carregadas de comentadores para tudo e mais um par de botas. Aparecem especialistas disto e daquilo a botar discursos sobre todos os temas possíveis e imaginários. Desde o futebol, à guerra da Ucrânia, da TAP à igreja, é vê-los a desfilar, alguns deles sendo mesmo “pau para toda a obra” comentando desde as consequências da pandemia, à política nacional, saúde, futebol ou guerra. Parece que sabem tudo e de tudo. É uma escolha editorial como qualquer outra e temos que as respeitar. Há quem diga que sai mais barato e não exige tanta produção. Deixo isso para quem percebe do assunto. O que me parece no mínimo estranho e altamente irritante é assistirmos cada vez mais ao interromper dos discursos de quem está realmente a tratar do assunto e de quem possui essas pastas para se passar a palavra aos comentadores. Ora se nem se ouve quem de direito sobre os assuntos discutidos qual é a lógica de pedir um comentário a quem está em estúdio? Para além de ser uma falta de respeito quebrar conferencias de imprensa e comunicados a meio, pode induzir em erro ou retirar do contexto algumas declarações, motivando assim interpretações erradas ou dando aso a mal entendidos.
O presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, no seu estilo habitual, voltou a repetir mais uma vez que não equaciona dissolver o Governo, provavelmente não por achar que não existem motivos para tal mas por entender que não existe no panorama político nacional, alternativa credível que se possa assumir no curto prazo. Independentemente de eu até poder concordar com Marcelo e de não se vislumbrarem projectos sólidos para o país, não me parece correto um Presidente da República dizê-lo na praça publica, vergando completamente a oposição e passando-lhes um atestado de incompetência. Este tipo de opiniões, não devem ser passadas para fora, sob pena de se estar a imiscuir na luta político-partidária. Mas mais grave ainda é o próprio chamar a si aquilo que deveria ser um direito de cada um dos cidadãos. A determinação de se existem alternativas credíveis ou não, devem ser passadas para cada um de nós. É a cada eleitor português que cabe a responsabilidade de decidir este tipo de questões e ao Presidente deve caber a decisão de avaliar se este Governo tem condições ou não para continuar.
O tema na ordem da semana foi Boaventura Sousa Santos. As acusações de assédio sexual em forma de livro, testemunhada na primeira pessoa pelas três autoras, tiveram eco em várias outras, que vieram a terreiro confirmar as ditas acusações, dizendo-se também elas vítimas do reputado professor e diretor emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Sem querer entrar na habitual guerra da esquerda vs direita, por ser ele próprio um dos grandes pensadores da esquerda no nosso país, gostaria apenas de sublinhar que se o alegado caso se vier a confirmar, é apenas mais um de uma suposta elite que se arroga de uma certa superioridade moral e intelectual e que se andaram a passear pelos principais palcos do nosso país de uma forma impune fazendo a seu bel-prazer e tudo se achando no direito. Fez bem o CES em demarcar-se da situação e em suspender preventivamente os visados, agora que se averiguem todos os factos e que no caso de se confirmarem as acusações que sirvam de exemplo para quem teima em manter determinadas práticas.