Sindicato pede portal nacional para denúncia de assédio em meio académico
O Sindicato Nacional de Ensino Superior (SNESup) criticou hoje a existência de canais de denúncia geridos internamente pelas instituições, defendendo em alternativa um portal nacional que garanta o anonimato das alegadas vítimas e de quem é acusado.
O SNESup disse que os modelos de denúncia que estão a ser implementados em algumas instituições de ensino superior para tentar combater os casos de assédio sexual e moral, defendendo que esses canais podem não transmitir a segurança necessária para quem quer fazer queixa nem garantir o anonimato do acusado.
"Deveria ser criado um portal nacional e nunca um mecanismo gerido internamente", disse à Lusa o professor Romeu Videira, explicando que as Instituições de Ensino Superior (IES) são "meios muito pequenos", onde "toda a gente se conhece".
"É necessário proteger o anonimato das vítimas e dos denunciantes. Com um portal interno, o "diz-que-disse" onde toda a gente se conhece faz com que todos acabem por saber quem fez a denuncia e quem é a vítima", alertou o elemento da direção do SNESup.
O docente teme que os modelos que estão a ser aplicados pelas instituições - formulários 'online' ou linhas telefónicas - possam afastar eventuais queixosos por temerem ser identificados e sofrerem represálias.
Além disso, o docente sublinhou que é preciso também preservar o anonimato dos acusados, lembrando que podem ser injustamente incriminados e ficar "com a sua imagem pública prejudicada para sempre".
"É preciso garantir que qualquer pequena suspeita ou rumor não se transforma num caso que possa destruir as carreiras profissionais", corroborou o presidente do SNESup, José Moreira.
Romeu Videira alertou ainda para uma eventual fragilidade no tratamento das denúncias: "É um portal anónimo, mas há alguém que abre as denúncias. Imaginemos que o caso em particular é contra uma pessoa de topo na instituição. Será que o funcionário tem o mesmo comportamento como se fosse para outra pessoa qualquer?".
Para o docente, o Ministério do Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) deveria criar um portal nacional de denúncia, em vez de recomendar às instituições a criação dos seus próprios canais.
O Ministério do Ensino Superior assim como a Inspeção-Geral de Educação e Ciência revelaram hoje que não receberam qualquer queixa de assédio sexual nos últimos quatro anos, nem conhecem qualquer caso judicial envolvendo professores ou investigadores de universidades ou politécnicos.
O SNESup defende também que deveria existir um serviço de apoio psicológico externo para as vítimas: "Este tipo de crimes deixa marcas psicológicas graves que a resolução do caso não apaga", defendeu.
À Lusa, José Moreira revelou que o sindicato recebe "dezenas de queixas de assédio" moral todos os anos e que os serviços jurídicos não têm mãos a medir.
"O ambiente académico é de facto muito propício a que exista este tipo de casos, por causa das relações de poder muito fortes", lamentou José Moreira.
Outro dos problemas identificado por Romeu Videira prende-se com o facto de cada instituição criar o seu próprio código de conduta, em vez de existir um código nacional igual para todos.
Para o professor da Universidade do Porto, a criação de regras locais pode levar a que numa instituição um ato seja considerado condenável e, na instituição ao lado, a mesma situação seja aceite.
A posição dos dois sindicalistas surge na sequência da divulgação esta semana de alegados casos de assédio sexual no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra praticados por dois docentes: o sociólogo Boaventura Sousa Santos e o antropólogo Bruno Sena Martins, que negaram as acusações.
Na quarta-feira, a Federação Académica de Lisboa (FAL) alertou também para as falhas no funcionamento dos canais de denúncia de assédio das instituições, considerando que muitas "não estão preparadas para agir" quando surgem casos.
A maioria destes serviços surgiu na sequência dos polémicos casos de assédio ocorridos na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Há exatamente um ano, um relatório do Conselho Pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa dava conta de 50 queixas de assédio e discriminação recebidos em apenas um mês.
Também a FAL realizou um inquérito em dezembro do ano passado que veio revelar que dois em cada dez estudantes universitários já tinham sido vítimas ou testemunhas de casos de assédio.