Acolhimento de vítimas de violência doméstica "é um mal necessário"
O acolhimento de vítimas de violência doméstica é "um mal necessário", defende o vice-presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), considerando que as mortes neste contexto não se devem a falta de respostas.
Quando se cumpre mais um Dia Internacional da Mulher, Manuel Albano destaca que o combate a este flagelo - que afeta de forma desproporcional as mulheres, inserindo-se na violência de género -- tem registado uma evolução positiva, mas nota que o acolhimento das vítimas deve ser assumido somente em "situações limite", apontando o foco para a prevenção junto dos mais jovens, a capacitação das pessoas e a existência de estruturas de proximidade.
"Essa não é a solução. A última 'ratio' deverá ser colocar uma pessoa numa estrutura de acolhimento. As estruturas de acolhimento servem para situações limite, de extrema gravidade e de risco elevado. Não podemos encarar a casa-abrigo como solução, porque estamos a produzir mais um processo de vitimização naquela pessoa", afirma, além de vincar que "quem deverá ser alvo de medidas de coação é quem agride".
Com cerca de 200 estruturas de atendimento às vítimas, 26 unidades de acolhimento de emergência, 35 casas-abrigo e quase três dezenas de respostas de apoio psicológico para crianças e jovens que sofram de violência doméstica em Portugal no final de 2022, o vice-presidente da CIG realça uma "taxa de cobertura a nível de estruturas de atendimento de 95% do território nacional" através da Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica.
"É um mal necessário para garantir a proteção das vítimas e deverá ser sempre a última 'ratio' de um ponto de vista da escolha, balizado por critérios de proteção e de avaliação de risco que é feita quer pelos órgãos de polícia criminal, quer pelos tribunais, quer pelas próprias equipas que acompanham as vítimas. Não é por falta de acolhimento que tem acontecido o que quer que seja", refere.
Em declarações à Lusa, Manuel Albano equipara a violência doméstica na sociedade portuguesa a uma "verdadeira pandemia", recusando, por isso, que já tudo esteja feito para minorar os números desta realidade, que se traduziu em 2022 num total de 28 mortes, distribuídas por 24 mulheres e quatro crianças, segundo os dados da CIG.
"Nunca podemos dizer que um trabalho que impacta numa situação criminal, como é a violência doméstica, e nas pessoas que sofrem diretamente deste flagelo -- e desta verdadeira pandemia -- está completo", explica o dirigente, continuando: "Temos um crescendo muito importante do ponto de vista dessas estruturas de proximidade, quer do ponto de vista da densificação de instrumentos, quer legais, quer técnicos, para melhor intervir nesta matéria. Infelizmente, não é um trabalho que se possa dizer que está fechado e que já fizemos tudo".
Para o vice-presidente da CIG, a discussão pública sobre este fenómeno é já um exemplo do "avanço civilizacional" alcançado nas últimas décadas, ao frisar que antes a "violência [doméstica] era normalizada e aceite socialmente", enquanto agora as pessoas e as instituições já tomam a iniciativa de denunciar este crime.
"Temos procurado intervir muito no espaço de educação e da prevenção primária, com intervenções e projetos específicos junto das escolas sobre comportamentos saudáveis e não violentos, a partir de uma visão de direitos humanos. Quando falamos de violência estamos a falar da violação grosseira de direitos humanos fundamentais, portanto, esta tem sido uma ação em crescendo e de capacitação cada vez maior", sustenta.
Questionado sobre os homicídios em contexto de violência doméstica, Manuel Albano lembra que nem todas as medidas de prevenção, proteção e punição existentes podem evitar esse desfecho, sublinhando a importância das estruturas de proximidade e deixando um apelo: "Temos de estar vigilantes e produzir cada vez mais capacitação para evitar que isto aconteça".