Crónicas

Faz sentido dar os parabéns às coisas que não queremos?

“Cada vez que uma mulher usa a sua voz, mesmo sem saber, sem reivindicar, ela está a defender todas as mulheres. Gostaria de ser reconhecida como uma mulher inteligente, uma mulher corajosa, uma mulher amorosa, uma mulher que ensina pelo exemplo.”

‘Amo-te, exatamente assim, como és.’ É esta a mensagem que procuro dizer diariamente em frente ao espelho. Olhos nos olhos. É verdade que nem sempre consigo sentir a afirmação como verdadeira. Há dias em que eu própria duvido. Não porque eu não sinta esse amor, mas que outros o possam sentir em relação a mim. Às vezes, a história que me conto diz que posso ser e fazer diferente, para merecer (mais) amor. Quando afinal, a narrativa acertada revela que o amor está sempre garantido. Porque ele é simplesmente isso: amor.

Quantas mais de nós vivermos com esta intenção, melhor. Questionemos as narrativas carrascas que pautam o inconsciente coletivo e saibamos nutrir a nossa autoestima. É ela o nosso sistema imunitário social e se há, de facto, algo valioso que podemos deixar às próximas gerações é ser exemplo de como questionar os velhos mitos da parentalidade. Sobretudo, nós, mulheres e mães. Sim, porque ainda somos as principais influenciadoras dos filhos. Portanto, hoje, que o calendário assinala o Dia Internacional da Mulher, eu, mãe de duas raparigas, escolho não celebrar. Fazê-lo seria mais ou menos como dar os parabéns a um pobre no Dia Internacional da Pobreza. Celebrar o 8 de Março é dar os parabéns à desigualdade, à ausência de equidade, à falta de igual dignidade, à exclusão, às diferenças salariais, às vítimas de violência doméstica, às jovens vítimas da violência no namoro, às mulheres que continuam reféns dos maridos e dos companheiros, às mães solteiras e divorciadas atiradas para as margens da sociedade, a demasiadas coisas que queremos que sejam diferentes. Faz sentido dar os parabéns às coisas que não queremos? 

Não sou contra os homens, pelo contrário e também não acho que nós, mulheres, sejamos melhores. Assumo sim, uma posição pela igual dignidade, valor, respeito pela integridade, autenticidade e responsabilidade pessoal. Pelos direitos humanos.

Este dia pode ser um convite à reflexão, ao mergulho no inconsciente para examinar como estamos a perpetuar uma cultura patriarcal, autoritária, que promove a desigualdade. Isso e, para decidirmos, em sã consciência, o que vamos fazer para transformar esta realidade, com tanto caminho ainda a percorrer. Como vamos influenciar? Em quem nos vamos tornar?

Concordo com a sábia Maya Angelou. E é por isso que escrevi um capítulo sobre equidade, no meu livro “Gurus de Palmo e Meio”. Partilho agora, algumas das muitas práticas da parentalidade generativa, que entrego no livro e que podem influenciar o todo:

• Nunca obrigar uma criança a beijar ou a abraçar alguém contra a sua vontade. Caso contrário ela acredita que o terá de fazer ao longo da vida e isso pode impossibilitá-la de defender-se em caso de tentativa de abuso, por exemplo;

• Eduque sem violência, física ou psicológica. Ou a criança vai acreditar que alguém, mais forte do que ela tem direitos sobre si, que ela não é dona do seu corpo, vontade e das suas necessidades. Além disso, um dia, esta criança pode ser o elemento mais forte e tender a comportar-se como tal, não respeitando os outros;

• Respeitar os limites pessoais da criança! Liberte-se da crença de que ela diz “não” só para testar e contrariar. Quando uma criança diz “não” é a sério. Investigar sempre com curiosidade;

• Escutar e observar as emoções, opiniões, constatações, necessidades e desejos da criança. Sem julgamentos, com presença;

• Definir limites que façam sentido a todos, com igual dignidade, valor e amor incondicional;

• Contar histórias de Homens e Mulheres reais, que se notabilizaram no mundo - na vossa família, na comunidade - por terem respeitado os Direitos Humanos.

Somos todos responsáveis por apoiar mulheres, homens, crianças, a reconhecerem comportamentos inadmissíveis, protegerem-se, defenderem-se e estabelecerem os seus limites pessoais de forma saudável.