Nem todas as palavras estão ao abrigo da liberdade de expressão
A fundadora da plataforma digital Afrolink Paula Cardoso acusa as pessoas que acreditam poder dizer tudo ao abrigo da liberdade de expressão de minimizarem o impacto desse discurso de ódio nas pessoas.
Falando à agência Lusa, a criadora do projeto Afrolink, um site onde se encontram profissionais africanos e afrodescendentes residentes em Portugal, confessa que nunca foi alvo de discurso de ódio, mas sofre de racismo desde que se lembra e isso "tem um impacto tremendo a todos os níveis".
"Por mais que nós estejamos preparados para lidar com estas formas de violência, não deixa de doer e não deixa de ter impacto em nós, porque somos seres humanos. O trauma tem este poder", conta à agência Lusa.
Paula Cardoso salienta, em entrevista, que "o ódio racial está muito mais visível no 'online'", sobretudo quando são "partilhadas notícias que envolvem pessoas negras, questões raciais, ou contextos migratórios", mas não descarta a ideia que o discurso do ódio presencial também existe, apesar de acontecer de uma forma mais subtil.
"Eu já ouvi muitas vezes dizerem que não há racismo em Portugal e eu nem consigo entrar em diálogo com essas pessoas que negam a minha existência, porque é disso que se trata", menciona, revoltada.
"Se uma pessoa me diz que não há racismo neste país, está a mudar tudo aquilo que tem sido a minha vivência, uma vivência marcada justamente pela existência do racismo", lamenta a ativista lembrando todos os episódios negativos que já vivenciou desde que veio de Moçambique aos três anos de idade.
Paula Cardoso revela que nos últimos dois anos já denunciou várias situações de racismo à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), no entanto, diz que fez as queixas, recebeu o comprovativo, mas nunca teve qualquer tipo de resposta.
Contactada pela agência Lusa, a CICDR, a qual funciona junto do Alto Comissariado para as Migrações, explica que "tem por missão prevenir e combater a discriminação racial e sancionar a prática de atos discriminatórios em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem, em matéria de acesso a bens e serviços, educação, cultura, saúde, apoios sociais e habitação".
Segundo o último relatório anual divulgado pela CICDR, em 2021 receberam 408 participações, queixas e denúncias, das quais 96 referiam-se a situações que aconteceram nos meios de comunicação social e na internet, um valor que representa quase um quarto das situações reportadas.
Paula Cardoso acredita que é necessário existirem "medidas de reparação", mas para isso "tem de existir o reconhecimento de que estas experiências de racismo são violência, e isso vem com a educação", conclui à Lusa.