Crónicas

“Somos todos amigos…”

Em virtude de umas declarações de Sérgio Marques (ex-Director Regional, ex-Deputado na ALRAM, ex-Deputado Europeu, ex-Secretário Regional, ex-Deputado da República, ex-membro de quase todos os órgãos do PSD Madeira, ex-Conselheiro Nacional, ex-gestor de empresas do Grupo Sousa) ao Diário de Notícias de Lisboa, achou por bem o PS Madeira, constituir uma Comissão de Inquérito potestativa para, assim, permitir uma análise, que se queria exaustiva, ao que foi revelado.

Segundo o ex-tudo, “o que estava em primeiro lugar era garantir o poder e não tanto a governação”. Isto era feito com “a ajuda dos grupos económicos”. “A dada altura começaram a inventar-se obras (…). Obras sem necessidade, aquela lógica das sociedades de desenvolvimento, todo aquele investimento louco que foi feito (…)”. “Cunha e Silva, acabou por fazer com que muitos vícios, muitas coisas menos boas, tivessem ocorrido”. “(…) A influência de Jaime Ramos… o crescimento dos grupos económicos (…), que acabaram por acumular muito poder: Sousa, Avelino, Pestana, Trindade e Trindade/Blandy.” “(…) Sousa e (…) Avelino Farinha (…) acho que foram os mais beneficiados da governação regional”. “(…) Quando eu deixo o governo, houve ali muito dedo do Jardim, (…) pôs o Sousa e o Avelino em campo. O Sousa consegue afastar o Eduardo Jesus porque o Eduardo Jesus tinha uma agenda para reformular o porto. O Avelino não estava satisfeito com o meu desempenho nas obras públicas (…) e ele sempre se habituou a ter um secretário que o servisse.” “(…) Ele queria era só afastar-me das obras públicas”. Em suma, é por causa destas graves afirmações que o PS Madeira avançou na ALRAM para uma comissão de inquérito.

Por via de tudo isto, pelo que disse, por quem é e por aquilo que representa, Sérgio Marques devia ter sido chamado à Comissão. Mas não foi. As regras, ditas, “democráticas” do regimento da ALR só permitem comissões que no máximo só permitam chamar pessoas para depor no mesmo número dos seus constituintes. E o PS entendeu chamar outras pessoas. Assim, ao não ter presente o causador de tudo isto, o Partido Socialista dá um tiro no pé. Os socialistas tinham a obrigação de saber que as regras eram estas e que o PSD não se ia pôr a jeito, deixando chamar todos os nomes que o PS entendesse chamar. O JPP também não ajudou, usou a esperteza saloia, que o beneficia via vitimização, de recusar estar presente.

Assim, assisti aos dois únicos depoimentos prestados na Comissão e que tiveram honras de transmissão televisiva. Andei para a frente e para trás e tenho-os ali gravados para memória futura. Usarei o recurso da citação do que por lá foi dito, fazendo, aqui e ali, uma ou outra apreciação.

Comecemos pelo início: a existência desta comissão e o modo como está formada, bem como as duas audiências que tivemos a oportunidade de assistir, é a prova provada da promiscuidade de alguns grupos económicos com o poder. O início dos trabalhos no dia da audiência de Luís Miguel de Sousa é disso sintomático, quando o PSD pergunta se Sérgio Gonçalves declarou alguma incompatibilidade pelo facto de fazer parte da Comissão, uma vez que exerceu funções de directoria no Grupo presidido pelo interrogado. Interessante o PSD, onde ao longo da história se confundiram grupos económicos com militantes insignes, vir interrogar alguém sobre incompatibilidades. É mesmo de quem não se enxerga.

O responsável do Grupo Sousa afirmou-se como um grande defensor do mercado aberto. Aberto e mercado devem assumir na sua ideia, conceitos completamente novos. Segundo o que disse, qualquer empresa pode agora exercer a sua actividade de operação portuária, bastando para isso ter o equipamento e os trabalhadores necessários. Isto como se o Porto do Caniçal estivesse feito para ter espaço para mais do que um operador. Que viria de onde? Com que equipamentos e pessoal? A pergunta que se deveria seguir era saber da operacionalidade das instalações se isso acontecesse. Foi feita? Claro que não.

LMS sabe perfeitamente que não há hipótese alguma de surgir um segundo operador. É uma impossibilidade prática e política.

Acrescentou depois que a margem de operação das suas empresas no porto tem de ser suficientemente baixa para evitar o aparecimento de outro operador. Aqui ficaria bem aquele “emoji” de olhos esbugalhados. É que pagamos a carga que vem para cá e, porque não exportamos, o regresso dos contentores vazios, porque nada exportamos, para além da banana (salvo erro a 1500€ o contentor, mas posso estar enganado).

“En passant”, deixo a referência, de que nunca ouvira falar, de uns pecadilhos referidos por Luís Miguel de Sousa, sobre umas passagens ilegais reembolsadas, que Sérgio Marques teria usufruído quando foi Deputado Europeu.

Ri-me muito quando tentou defender o indefensável: “uma concessão não é um monopólio”. Mas depois, e enviesadamente, já dava o dito por não dito. Foi chamado à atenção? Claro que não.

Hás tantas fiquei com a noção de que a PSL não dava lucro e que era um “hobby” do armador, que nos faz o favor de levar e trazer pessoas para, e do, Porto Santo. Se assim é, fica já aqui o meu obrigado. Contudo, não é.

Numa coisa LMS tem toda a razão: somos todos amigos. A terra é pequena e conhecemo-nos uns aos outros. Conheço LMS. Fomos contemporâneos no Liceu e sou mesmo testemunha de que foi da FLAMA. Um dia espetou-me com uma bandeira da mesma, que pintou com esmero na sua sebenta, debaixo do nariz.

Numa breve lição de economês foi-nos explicado que um “monopólio é um regime fechado (…), faça o que eu fizer (…) ele tem de comprar ali. Ponto. Mercado aberto com uma única empresa, é mercado aberto, é concorrência. Porque ela está a concorrer consigo própria”. E por aqui me fico.

No dia seguinte a eminência parda foi Pedro Calado, antigo funcionário de Avelino Farinha. Num dia era seu funcionário e dias depois citava Kennedy achando que era Mandela na sua tomada de posse como Vice-Presidente do Governo. Promiscuidade? Cá nada.

O dono do Grupo AFA, reclamou ter como principal cliente o Governo Regional, que ainda por cima não pagava a tempo e horas. “Na Madeira um madeirense com sucesso é um ladrão”. Alguns são, senhor Avelino, alguns são.

Permitam-me citar o gestor: “Eu nunca fui pedir rigorosamente nada, nem ao antigo presidente do governo, nem a este presidente, nem a secretário, nem rigorosamente a ninguém. Os assuntos de trabalho, temos os nossos administradores, temos os nossos directores, que tratam disso”. Disse-o após dizer que recebera nessa manhã um telefonema do Secretário dos Equipamentos e das Infraestruturas. O que o Sr. Avelino disse é que não suja as mãos, porque tem quem o faça por si. Ou leio mal?

O PSD praticamente não esteve presente. Estava ali sem participar. Uma participação testicular.

Fiquei espantado com o facto de não terem os três deputados socialistas feito nenhuma pergunta sobre as PPP’s rodoviárias, uma vez que o Grupo AFA é sócio do Governo Regional na Via Litoral e na Via Expresso. Em 2018 foi o Vice do Governo na altura, Pedro Calado, quem autorizou uma alteração de quotas (meses após ter saído da AFA) que permitiu a entrada, nestas duas PPP’s, da francesa MIROVIA. Que fique claro que na VE a AFAVIAS é o principal accionista e que na VL é o segundo. Em ambas o GR tem uma participação de 20%, a terceira maior.

E os 55,5 milhões de indemnizações pagos, por acordo judicial, à AFAVIAS a título indemnizatório, que foi assinado por parte do GR por Amílcar Gonçalves e Pedro Calado, que meses antes era funcionário do Grupo AFA?

Mais uma citação: “desde sempre, desde os mandatos do Dr. Alberto João Jardim, o primeiro ano a seguir às eleições era para acabar as obras que tinham ficado por fazer. O segundo ano era para fazer projectos. O terceiro ano para arrancar as obras. O quarto ano para meter gás e inaugurar. Sempre foi assim”. Não há promiscuidade, mas o sistema é conhecido pelo empresário como ninguém.

Fica muito de fora. O espaço não chega, mas termino referindo que faltam as respostas às perguntas feitas por escrito pelo PS e pelo PCP a Miguel Albuquerque, uma vez que, usando essa prerrogativa, se recusou a ir à Comissão de Inquérito. O assoberbamento do costume, ou então falta de tempo, por estar muito ocupado a fazer aqueles trabalhinhos de “marketing”, de que é useiro e vezeiro.

Voltarei.