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Relâmpagos

(...)
Podem brandir o chicote
E arreganhar os dentes
E espumar pela boca
(...)

Ovídio Martins. Aviso Andamos nesta vida (tragicomédia pura e dura) há tempos. E já não interessa, sob a ressequida árvore da Morabeza, ficarmos à espera de Godot...

Noutra vida, estamos num jantar de amigos e parceiros no Al Biondo Tevere, pelas bandas da Basílica de São Paulo e da Reitoria da Universidade Roma 3. Lastro de cânforas e de cinzas, caleidoscópio de Pier Paolo Pasolini na sua última ceia e o jovem acompanhante que talvez não tenha sido o seu assassino, assim como Luchiano Visconti a filmar “Belíssima”, com Anna Magnani em astro de cintilância...e o frio a permear-nos aos ossos liquefeitos do Tibre.

A guerra na Ucrânia e a fartazana de adjetivos - dantesca, vergonhosa e absurda como qualquer guerra -, é uma lata de inseticida a perseguir uma mosca e todo o resto substantiva margem de erro. Como toda a invasão, o bordel e o inferno – de antemão, aquele mais aceitável que este -, tresanda aos mais belos encontros adiados no labirinto. Diante das palavras circunstanciais, ao contraponto dos inconstantes ventos (jamais de feição), posicionamo-nos: os territórios ocupados, onde haja, são para se libertar!

Creio que os meus amigos não conheciam o poeta Rui de Noronha Ozório. Eu que vasculho poesia, até no caixote de lixo, de onde fede a poeta visceral, também não o conhecia. Há um poema, que não vos conto, escrito à meia-noite ensonada, na estação do metro Willy-Brandt-Platz - Frankfurt am Main, a mirar a passeata dos nutridos ratos, entre um e outro comboio. Entrementes (não divaguemos), revelo, como quem não quer a coisa, um extracto da conta poética de Ozório:

(...)
Uma árvore corre
atrás da primavera
até ganhar asas
as folhas vestem-se de penas
e voa pássaro de si

Este poema chama-se “Subo as escadas”. Dão-me lanhas na alma, estremecimentos, tais desarmantes versos.

A nossa Democracia, que é um bem essencial, tem espaços vazios que a sociedade civil, a cidadania, precisa ocupar. Entrementes, esse nosso Godozinho não responde aos sucessivos apelos por um país, habitáculo mais livre, mais igual e mais justo - mas, depois, não nos venham dizer que não vos avisámos!..