Rússia deverá evitar reuniões sobre Ucrânia durante presidência do Conselho de Segurança
O analista Richard Gowan, do International Crisis Group, acredita que a Rússia tentará reduzir aos mínimos possíveis o número de reuniões sobre a Ucrânia durante a sua presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) em abril.
A poucos dias de Moscovo assumir a presidência mensal rotativa deste órgão máximo da ONU, Richard Gowan, um especialista no sistema das Nações Unidas, Conselho de Segurança e em operações de manutenção da paz, afirmou à Lusa que o rascunho do calendário da Rússia para as reuniões do Conselho de Segurança em abril "não é muito ambicioso" e que os russos irão evitar agendar formalmente muitas reuniões sobre a Ucrânia, país alvo de uma ofensiva militar russa desde fevereiro de 2022.
"Na verdade, está a tentar reduzir o número de reuniões para os mínimos. Suspeito que os russos percebem que esta presidência é uma fonte potencial de embaraço para eles e querem evitar muitas reuniões públicas onde os aliados da Ucrânia possam atacá-los. Portanto, pode ser um mês surpreendentemente tranquilo na ONU", avaliou o analista.
À Lusa, Richard Gowan disse que a Rússia planeia um debate sobre o estado do multilateralismo, naquela que seria uma oportunidade para os russos argumentarem que os Estados Unidos prejudicam a cooperação internacional através do uso de sanções unilaterais ou exportações de armas.
"Há rumores de que Serguei Lavrov [ministro dos Negócios Estrangeiros russo] poderia comparecer a este evento. Tenho a certeza de que será uma oportunidade para uma grande discussão, e a Rússia espera que os chineses apoiem fortemente a sua posição contra os norte-americanos. Mas não terá resultados reais", referiu.
A partir de abril, e segundo o cronograma da ONU, a Rússia (um dos cinco membros permanentes do Conselho com poder de veto) deverá assumir a presidência rotativa do órgão, que tem capacidade de fazer aprovar resoluções com caráter vinculativo.
Contudo, nas últimas semanas, o representante permanente da Ucrânia junto das Nações Unidas, Sergiy Kyslytsya, tem apelado publicamente à organização para que não permita a presidência russa.
"Na noite da invasão [russa da Ucrânia], [o secretário-geral da ONU] António Guterres classificou-o de 'o dia mais triste do seu mandato'; na verdade, o dia mais triste da história da ONU será o 01 de abril de 2023, quando, a menos que a justiça prevaleça, a Rússia assumir a presidência do Conselho de Segurança", disse Kyslytsya na rede social Twitter.
De acordo com Gowan, aliados da Ucrânia procuraram opções para bloquear a entrada da Rússia na presidência rotativa mensal do Conselho de Segurança, "mas não investiram muita energia" nesse objetivo, uma vez que, segundo argumentou, "não existe um mecanismo fácil para fazê-lo nas regras de procedimento do Conselho".
"Os diplomatas ocidentais parecem resignados a aturar a Rússia na presidência. Membros não-ocidentais do Conselho não apoiam um grande esforço para bloquear a Rússia, em parte porque isso criaria um precedente para o Conselho rejeitar outras nações como presidentes no futuro", observou.
Para Richard Gowan, que é diretor do departamento da ONU no International Crisis Group - uma organização não-governamental (ONG) voltada para a resolução e prevenção de conflitos armados internacionais -, os diplomatas junto à ONU ainda acreditam que a Rússia pode tentar uma manobra diplomática inesperada durante a sua presidência, "mas ninguém sabe realmente o que isso pode envolver".
"Uma opção seria a Rússia solicitar uma reunião sobre o 'plano de paz' da China para a Ucrânia, que os Estados Unidos e aliados rejeitam. A Rússia esperaria que a maioria dos membros não-ocidentais do Conselho oferecesse pelo menos um apoio provisório ao plano, e mesmo os europeus tentariam evitar críticas diretas a Pequim", avaliou o analista.
Apesar de toda a expectativa em torno desta presidência, Gowan recordou que a Rússia também presidiu ao órgão em fevereiro de 2022, ocasião em que os diplomatas russos "foram muito cuidadosos em seguir o livro de regras da ONU corretamente".
"Pode parecer estranho, mas a Rússia pode simplesmente priorizar a gestão profissional do Conselho e limitar o número de discussões importantes em abril. Querem dar a impressão de que ainda são um membro responsável da ONU, apesar da sua agressão contra a Ucrânia", acrescentou.
Uma intenção dada como certa são os planos de Moscovo de realizar uma reunião informal do Conselho de Segurança no início de abril sobre aquilo que classifica ser "a situação real" das crianças ucranianas levadas para a Rússia, segundo indicou o embaixador russo junto na ONU, Vasily Nebenzya.
O anúncio seguiu-se à divulgação de um relatório da Comissão de Inquérito da ONU sobre a Ucrânia, que disse que havia evidências da transferência ilegal de centenas de crianças ucranianas para a Rússia.
Nebenzya argumentou que a questão das crianças é "totalmente exagerada" e disse que Moscovo planeia convocar essa reunião por volta de 06 de abril, para explicar que esses menores foram levados para garantir a sua proteção.
"Simplesmente porque a Rússia queria poupá-los do perigo que as atividades militares podem trazer", afirmou então Vasily Nebenzya.
Em 17 de março, o Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, emitiu um mandado de detenção para o Presidente russo, Vladimir Putin, por crimes de guerra na Ucrânia, pelo seu alegado envolvimento na deportação de crianças de territórios ucranianos ocupados para a Rússia.