Março
Mês da Primavera, mês do Dia da Mulher, mês do Dia do Pai, enfim, mês de despedida do Inverno escuro e frio a dar lugar a temperaturas já convidativas a banhos de Sol e mar, mês de insubordinações e respectivas reacções.
Em Março existia um mal-estar latente na população portuguesa causado pelo prolongar de uma crise que se arrastava há largos anos e que não tinha fim à vista, mal-estar que levou a protestos em quase todos os quadrantes da sociedade portuguesa – casa onde não há pão, todos brigam e ninguém tem razão, lá diz o ditado.
O mal-estar era agravado pela frustração das expectativas reformistas em torno do Primeiro-ministro.
Crescia uma convicção de que o regime era incapaz de se renovar.
E a 16 de Março, alguns militares insubordinaram-se, isto é, quiseram demonstrar que havia descontentamento entre os seus pares.
Estávamos em 1974 e, algumas semanas depois, a 25 de Abril, outros, talvez mais organizados, insubordinaram-se também, desta vez com o sucesso que conhecemos hoje.
Os militares quando se insubordinam, fazem-no, acho eu, sabendo os riscos pessoais e de carreira que correm, e os militares que se insubordinaram em 74, sabiam-no muito bem. Se desse para o torto, os seus superiores teriam dito grandes tiradas demonstrativas da ordem que tem de haver nas Forças Armadas, etc., etc.
Onde estariam muitos dos actuais chefes militares se não tivesse havido o 25 de Abril de 1974?
Em Março, insubordinaram-se uns efectivos das Forças Armadas, argumentando falta de segurança e de boas condições para poderem desenvolver as missões que lhes eram determinadas, recusando cumprir ordens superiores. Houve um acto de insubordinação num pequeno barco da Armada portuguesa. Estava em causa a segurança numa missão que, apesar de simples, poderia falhar devido às avarias que o navio apresentava.
Veio imediatamente o Sr. Almirante Chefe pregar, “in loco”, um raspanete público, de dedo em riste, aos marinheiros insubordinados.
Deduzi das suas palavras que um militar deve sempre, sempre ir para a frente de batalha em qualquer circunstância que seja determinada pelos seus superiores hierárquicos (foi o que ele disse)!
Logo, a guerra nas colónias, segundo os seus superiores hierárquicos de então, era coisa para continuar e, até hoje, haveria jovens a seguir as ordens dos todo-poderosos chefes militares, e então não teria havido 25/04/74.
A indisciplina é, em qualquer ramo de actividade, um acto que tem de ser bem ajuizado e, eventualmente, punido. Isto tem de ser claro!
O que me leva a escrever é, não o que foi dito, mas o tom e a forma como foi dito.
O 25 de Abril foi um acto de insubordinação que, se não tivesse vingado, teria dado lugar a punições graves. Os seus responsáveis (e todos quantos foram aderindo ao movimento) arriscaram em defesa de valores em que acreditavam. Pelo que ouvi na comunicação social, estes marinheiros também se insubordinaram em defesa de valores em que acreditam. Se tiverem razão serão absolvidos, se não a tiverem, serão punidos.
Não gosto nem defendo qualquer tipo de insubordinação, da mesma forma que não gosto de autoritarismo, que não confundo com autoridade.
O que não houve, e que deveria ter havido, são chefes e subalternos que saibam ser responsáveis pelos seus actos e com as consequências dos mesmos, em toda a cadeia de comando, desde os comandantes aos comandados. O mal, aqui, foi o facto de ter vindo para a praça pública o que deveria ter sido ajuizado em primeiro lugar pelas instâncias competentes.
No meio desta trapalhada, o que “chateou” foi o empolamento dado a um acto que deveria ter sido analisado por quem de direito antes de ter vindo a público, fazendo com que a autoridade natural tivesse dado lugar a um autoritarismo artificial.
Quero com isto dizer que poderá haver um segundo 25/04?
Não! Nem o País nem as Forças Armadas estão para aí virados.
Mas que este acto se junta a tantos outros actos civis de descontentamento
(o que na Forças Armadas se chama de insubordinação, na sociedade civil chama-se de descontentamento), junta-se!
Cabe aos governos saber ouvir os sinais e sintomas do descontentamento e tomar medidas para que o mesmo possa ser resolvido sem que seja necessário recorrer a revoluções, estas sim, configurando actos de difícil gestão!