Marina do Lugar de Baixo levou 100 milhões de euros?
Valor exacto da infra-estrutura envolto em mistério durante 20 anos
A Marina do Lugar de Baixo, na Ponta do Sol, é uma mancha na história das obras públicas da Região Autónoma da Madeira. O empreendimento, a cargo da Sociedade de Desenvolvimento Ponta do Oeste, foi inaugurado em Outubro de 2004, após uma primeira fase da empreitada.
No ano seguinte, em Agosto de 2005, o então vice-presidente do Governo Regional, João Cunha e Silva, visitava a conclusão da segunda fase da obra de construção da Marina do Lugar de Baixo, orçamentada inicialmente em 24 milhões de euros.
A infra-estrutura esteve em funcionamento durante escassos dias até que fortes ondulações provocaram profundos estragos na estrutura, obrigando o Governo Regional a avançar com uma requalificação. As ondas não deram tréguas e por diversas vezes fustigaram a Marina do Lugar de Baixo, enquanto o executivo de Alberto João Jardim insistia em reconstruir o empreendimento.
Para calcular o custo global da intervenção no Lugar de Baixo, além do valor investido para a construção da Marina, é necessário juntar à equação o dinheiro gasto com os estudos preliminares e projectos para a construção do empreendimento, a aquisição dos terrenos para a implementação da marina, bem como para a estabilização do talude e ainda o valor aplicado nas sucessivas intervenções de reconstrução da infra-estrutura marítima e terrestre na sequência das vagas de ondulação forte e das derrocadas.
O projecto inicial da Marina do Lugar de Baixo compreendia uma frente costeira com aproximadamente 700 metros de extensão, um estacionamento para cerca de 300 embarcações, zona balnear com piscinas, acessos ao mar, solários, bem como balneários e zona de serviços com espaços comerciais, restaurantes, escritórios e estacionamento.
Nos meses seguintes à inauguração, o mar mostrou a sua força, deixando um rasto de destruição.
Na prática, a Marina do Lugar de Baixo está inoperacional por falta de segurança desde que foi construída. Além da forte ondulação, a persistente queda de pedregulhos da escarpa sobranceira, conhecida como zona das Quebradas, também danificaram a estrutura.
Em 2006, foi decidido aplicar 6,9 milhões de euros para uma nova barreira de protecção da marina, composta por enormes quebra-mares em forma de caixotões, fazendo disparar o custo da obra para cerca de 36,7 milhões de euros.
Confira o estado da infra-estrutura em Julho de 2015
A empresa de capitais totalmente públicos, Sociedade de Desenvolvimento Ponta Oeste, lançou à marina mares de dinheiro, não para a construção propriamente dita, mas para a reconstrução e recuperação das infra-estruturas marítimas e terrestres.
De forma a garantir a segurança da população e a viabilidade do projecto, o Governo Regional, através da Secretaria Regional do Equipamento Social avançou, em 2007, com a obra denominada ‘Estabilização do Talude Sobranceiro à Marina do Lugar de Baixo’, no valor de 7,5 milhões de euros. Mas para avançar com a empreitada foi necessário expropriar uma série de parcelas localizadas na escarpa, cujo processo decorreu durante anos e deverá, certamente, ter ultrapassado um milhão de euros.
A empreitada de estabilização do talude permitiu salvaguardar os terrenos agrícolas, evitar a queda de pedregulhos na estrada regional e directamente na Marina do Lugar de Baixo, sendo crucial para proteger a infra-estrutura em terra, o estacionamento, em específico.
De acordo com documentos oficiais, publicados em JORAM, os encargos orçamentais com os trabalhos de estabilização do talude foram escalonados até 2011, não sendo possível quantificar o valor exacto da obra.
Ano económico | encargo orçamental |
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2007 | 7.485.260,08 € (adjudicação da obra) |
2008 | 4.189.384,73 € |
2009 | 4.418.664,37 € |
2010 | 1.653.000,00 € |
2011 | 1.653.000,00 € |
Depois surgiu a empreitada ‘Reconstrução dos Paredões da Marina do Lugar de Baixo - Obras Marítimas’, cujos encargos orçamentais foram também escalonados até 2013.
Ano económico | encargo orçamental |
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2011 | 874.204,24 € |
2012 | 16.221.057,14 € |
2013 | 3.550.147,62 € |
Em 2010, a Ponta Oeste interpôs uma acção contra a empresa que elaborou o projecto, exigindo uma indemnização no valor de 20 milhões de euros.
O Jornal Oficial da Região revela ainda que o Governo Regional da Madeira celebrou, entre 2011 e 2014, contratos-programa com a Ponta do Oeste, tendo em vista a comparticipação das obras 'Reconstrução dos Paredões da Marina do Lugar de Baixo' e 'Recuperação das Obras Marítimas da Marina do Lugar de Baixo - Enraizamento' no valor total de de 8.191.929 euros.
Ao longo dos anos, o projecto desenvolvido pelo Governo Regional no Lugar de Baixo da Ponta do Sol tem sido alvo de fortes críticas por parte da oposição, que reclama que foram gastos mais de 100 milhões de euros numa infra-estrutura que nunca chegou a ter uso e que se encontra em ruínas.
A 9 de Dezembro de 2014, o ex-presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, admitia que a marina tinha sido “um azar” dos seus governos.
Em 2015, foi criada a Comissão de Inquérito à Marina do Lugar de Baixo, por requerimento do CDS, tendo em vista esclarecer os motivos do local escolhido para o levantamento do empreendimento e o investimento aplicado no projecto de construção e reconstrução do espaço.
No final de Janeiro de 2016, Maria João Monte, à altura presidente da Sociedade de Desenvolvimento Ponta Oeste, foi ouvida na Comissão de Inquérito, momento que usou para afirmar que a Marina do Lugar de Baixo teve um custo total de 51,2 milhões de euros.
Em Março de 2017, o relatório da Comissão de Inquérito à marina concluía que o governo de Alberto João Jardim não teve responsabilidades políticas pelo fracasso da obra. Os deputados apontaram “responsabilidade técnica” à empresa que esteve a cargo da elaboração do projecto.
O DIÁRIO contactou, na terça-feira, a Sociedade de Desenvolvimento Ponta do Oeste (SDPO), actualmente integrada na Sociedades de Desenvolvimento da Madeira, para pedir novos esclarecimentos sobre os valores na construção da Marina do Lugar de Baixo.
Em resposta escrita, enviada esta sexta-feira, a entidade presidida por Nivalda Gonçalves, explica que a SDPO aplicou um total de 52.183.543 euros na aquisição dos terrenos e na construção da infra-estrutura em mar e em terra. As questões sobre os custos com os estudos preliminares e projectos, a estabilização da escarpa, bem como as reconstruções da estrutura foram ignoradas.
Em suma, é possível concluir que a Marina do Lugar de Baixo custou ao erário muitos milhões de euros, contabilizando todos os gastos com a construção inicial (projectos, expropriações, obra); reconstrução após destruição (zona marítima e terrestre); estabilização da escarpa (a cargo da secretaria de Equipamento Social); e acção judicial contra a empresa projectista.
De acordo com o levantamento feito pelo DIÁRIO, as obras associadas à Marina do Lugar de Baixo (construção, reconstrução e estabilização da escarpa) custaram 67.860.732 euros aos cofres da Região, excluindo os valores dispersos com expropriações de parcelas, os custos acrescidos com as obras, a acção judicial e a taxa de IVA em vigor.
Executivo madeirense quer dar utilidade pública ao espaço
Conforme já noticiou o DIÁRIO, o Governo Regional de Miguel Albuquerque tem prevista para a zona do Lugar de Baixo da Ponta do Sol uma intervenção de 200 mil euros com o objectivo de restaurar as condições naturais do território. O espaço deverá ser transformado ainda este ano numa zona de praia.
Renaturalização da Marina do Lugar de Baixo apontada para o final de Maio
Intervenção custará 200 mil euros e manterá o molhe como elemento de protecção