Visita de Xi a Moscovo expôs assimetria na relação China/Rússia
Analistas ouvidos na imprensa internacional consideram que a visita do Presidente chinês à Rússia, expôs a crescente assimetria nas relações entre os dois países, apontando para ambições divergentes ou mesmo conflituosas.
"A Rússia pode estar preocupada com o aumento da sua dependência face à China", reconheceu o diretor do Instituto de Estudos Europeus e Asiáticos da Universidade de Ciência Política e Direito de Xangai, Li Xin. "Mas não tem outra opção", notou, citado pela Associated Press.
Em 2022, a China absorveu quase 30 por cento das exportações russas e forneceu 40% das suas importações. Uma parcela crescente desse comércio é feita na moeda chinesa, o yuan, já que o Ocidente restringiu o acesso da Rússia ao dólar e ao euro.
As compras de petróleo russo pela China aumentaram 24% em termos homólogos em janeiro e fevereiro, permitindo à Rússia ultrapassar a Arábia Saudita como a maior fornecedora de crude do país vizinho, segundo dados oficiais divulgados na terça-feira.
"Com o Ocidente a reduzir a sua dependência de recursos naturais oriundos da Rússia, a dependência de Moscovo face ao mercado chinês só deve crescer", apontou Alexander Gabuev, especialista em política externa russa, durante um painel de discussão organizado pelo Carnegie Endowment for International Peace, um grupo de reflexão (`think tank`) com sede em Washington
"É uma relação - não uma aliança - mutuamente benéfica, mas que beneficia mais a China" descreveu. "A coordenação [entre Pequim e Moscovo] é cada vez maior e cada vez mais realizada nos termos de Pequim", notou.
A atual parceria entre Pequim e Moscovo data da década de 1990, quando os dois lados deixaram de lado disputas fronteiriças e outras tensões, que resultaram na divisão sino - soviética de 1961, e forjaram uma frente diplomática pós - Guerra Fria, visando resistir à ordem estabelecida por Washington.
A importância do relacionamento aumentou quando o Ocidente impôs sanções à Rússia e restringiu o acesso de entidades e empresas chinesas a alta tecnologia, alegando motivos de segurança.
Xi acusou este mês os Estados Unidos de tentarem travar o desenvolvimento da China.
"Existe a sensação de que os EUA e os seus aliados querem conter os dois países", disse Li Mingjiang, especialista em relações internacionais da Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura, citado pela AP.
Apesar da "desconfiança estratégica" decorrente de conflitos que datam do século XIX, China e Rússia partilham o "interesse político comum" de "resistir" aos Estados Unidos, disse Li.
No ano passado, cerca de um mês antes da invasão da Ucrânia, Xi e Putin declararam uma "amizade sem limites".
Pequim, no entanto, já mostrou que há limites. A China frisa que não é aliada de Moscovo e não prestou apoio militar à Rússia na Ucrânia.
A Rússia tem vastos recursos naturais, mas a economia pós - União Soviética não conseguiu criar empresas competitivas. A China, entretanto, tornou-se a maior potência comercial do planeta e está a assumir a dianteira em várias indústrias do futuro, incluindo carros elétricos, energia renovável ou inteligência artificial.
Em meados dos anos 90, a economia da Rússia equivalia a metade da economia da China. O Produto Interno Bruto 'per capita' da Rússia era quatro vezes maior.
Em 2020, a economia chinesa era 10 vezes maior do que a da Rússia. O PIB por pessoa na China é também hoje ligeiramente superior.
A Rússia também está a perder a liderança no armamento, a sua maior indústria exportadora, para além do petróleo.
A China pagou milhares de milhões de dólares à Rússia, no início dos anos 2000, por caças e outras armas. Mas, num outro sinal dos limites da cooperação, a Rússia suspendeu as vendas, em 2004, depois de reclamações de que Pequim estava a copiar os seus mísseis e outras tecnologias. As vendas não foram retomadas até 2014.
Pequim valoriza tanto as relações com Moscovo que evita usar o poder económico a seu favor na relação, disse Li Mingjiang. "Vimos a cautela por parte da China para não fazer ou dizer nada que pudesse aborrecer os russo ou deixá-los desconfiados", observou.
A Rússia, que desde meados do século XIX é a principal potência na Ásia Central, vê também hoje o seu papel ser ameaçado, com os seus tradicionais aliados regionais - Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Tajiquistão e Turcomenistão - a serem cobiçados pela China, no âmbito da iniciativa "Faixa e Rota", um gigantesco projeto internacional de infraestruturas lançado pela China, que prevê a construção de autoestradas, portos ou ligações ferroviárias, visando abrir novas vias comerciais entre o leste da Ásia e a Europa.
Pequim tentou apaziguar o governo de Putin, ao acordar que Moscovo está encarregue dos assuntos de segurança na Ásia Central, enquanto a China se foca no comércio.
Para adoçar o acordo, Pequim investiu mil milhões de dólares para manter vivo um projeto de petróleo na Sibéria, que perdeu o acesso ao financiamento ocidental, devido a sanções impostas pela tomada da Crimeia pela Rússia, em 2014.
Pequim quer manter o governo de Putin como um parceiro diplomático viável, mas evita ações que possam desencadear sanções contra bancos ou empresas chineses ou excluir a China dos mercados ocidentais.
As perdas potenciais para os exportadores da China são imensas.
Os Estados Unidos compraram 15% das exportações chinesas, no ano passado. Os 27 países da União Europeia compraram, no conjunto, quase 13%.
A Rússia absorveu apenas 1,3% das exportações da China, menos do que a Tailândia.
"Para a China, a importância da Rússia é menor do que a do Ocidente em tecnologia e cooperação económica", disse Li Xin. "Mas, politicamente, a importância da Rússia para a China está a aumentar, por causa da repressão geopolítica e militar imposta [a Pequim] pelos Estados Unidos", afirmou.