Ambiente, entre a concertação e o diálogo de surdos
Ao contrário de muitas outras áreas da dinâmica social, as preocupações ambientais, no geral, constituem-se como ponto de convergência. Contudo, a dialética social, em torno das questões ambientais, resvala muitas vezes para confrontos com posições tão divergentes, extremadas e motivadoras de disputas ruidosas, sobretudo a nível local. Com efeito, as questões ambientais de natureza mais global escapam à guerrinha local, que, não raras vezes até contrariam. Outra das características típicas das “disputas ambientais” é acontecerem sempre antes do motivo que as sugere e nunca revisitarem o mesmo, passado o tempo da concretização. São famosos os pânicos relativos a processos de instalação de equipamentos de tratamento de resíduos sólidos urbanos que suportaram temores e anúncios de cataclismos sem retorno e que, passadas décadas, não mereceram revisão ou remissão de posições. A lista pode ser tão exaustiva quanto qualquer consulta de arquivo possa suportar e, invariavelmente, e ainda bem, raramente ou nunca se vê notícia da catástrofe anunciada. Curioso é a capacidade de protagonistas crentes nas catástrofes manterem uma invejosa capacidade comunicacional e credibilidade que ignora a sua incompetência passada enquanto videntes da desgraça.
Tratando-se mais de uma questão de sociologia do que de ambiente, a verdade é que várias são as razões que determinam esta característica própria da matéria ambiental se tornar palco de convergência na motivação e de quase guerra na ação. Muitas são as variáveis a considerar como o facto de o ambiente ser um bem ou valor difuso, quase um ideal, cujo imaginário é mais diverso do que a simples designação sugere. Noutras situações apresenta-se como porta de entrada para debate que remete para a ideologia política ou simples contradição entre partes que, por defeito, fazem da disputa o seu ponto de contacto e razão de existir. Junta-se ainda a facilidade de ter e dar voz sobre seja o que for, seguida de transformação em verdade absoluta de mitos sonantes por via dos megafones hoje à mão de quem quer que seja e que se propagam conforme a conveniência. Na maioria das vezes é também característica a dificuldade em dar voz ou ouvir informação técnica de suporte, sem que alguém se preocupe com isso.
Em suma, um problema de comunicação, que inclui falta de informação, deturpação e aproveitamento à medida, selectividade de análises e transferência de palcos e de contextos, que requer reflexão e alguma intervenção de modo a contribuir para que a desejável e útil participação alargada não se perca e se transforme em contributo para as melhores soluções e decisões. Instrumentos e espaços de concertação têm sido experimentados um pouco por todo o Mundo, a exemplo do que sugerem as boas práticas e as linhas de orientação de acordos e convenções internacionais, aliás, previstos nas legislações nacionais, mas, raramente implementados de forma efectiva. Deveria ser uma preocupação de todos os que se interessam verdadeira e genuinamente pela causa ambiental encontrar formas e espaços de concertação onde a dialética possa acontecer com arbitragem e suporte de tudo aquilo que sirva para esclarecer, promover o debate claro e livre de ideias e julgamentos pré-estabelecidos ou determinados por posições ideológicas que, sendo legítimas, não devem ser utilizadas para desvirtuar o interesse pelo ambiente, desmotivando muitos dos que, também por isso, se recusam a contribuir para o diálogo de surdos a que tantas vezes se assiste.