O requerimento do deputado do PCP-Madeira poderia ter sido votado no momento pela Comissão de Inquérito?
Em causa estava um pedido oral de inquirição ao ex-deputado e governante Sérgio Marques, autor das declarações que deram origem ao processo em curso sobre favorecimentos a grupos empresariais pelo Governo e a "obras inventadas"
Foi já no final da reunião de ontem da Comissão de Inquérito sobre favorecimentos a grupos económicos e “obras inventadas”, que tinha como ponto único da ordem de trabalhos a inquirição do empresário Avelino Farinha, que o deputado do PCP, Ricardo Lume, apresentou à mesa um requerimento oral a solicitar a ‘intimação’ de Sérgio Marques, autor das afirmações que levaram à constituição desta comissão na Assembleia Legislativa da Madeira.
Tendo em conta os andamentos dos trabalhos e pelo facto de ter sido colocada aqui, diversas vezes, nas duas audições, a necessidade de cabais esclarecimentos por quem proferiu as declarações que deram azo a esta Comissão de inquérito; tendo em conta que ouvimos, diversas vezes, os deputados do PSD e do CDS a evocar a necessidade e a incompreensão de Sérgio Marques não ser ouvido nesta Comissão; de acordo com o n.º 1 do artigo 8.º, do Regime Jurídico das Comissões de Inquérito da Região Autónoma da Madeira, proponho que se possa chamar o Dr. Sérgio Marques para que prestar depoimentos nesta Comissão. Ricardo Lume, deputado do PCP-Madeira
O presidente da Comissão, Adolfo Brazão, entendeu por bem aceitar o requerimento do parlamentar comunista, não o colocando de imediato à votação, adiando esse acto para uma reunião ordinária da Comissão, a agendar brevemente, devendo ser votado em conjunto com outro requerimento escrito apresentado pelo PS-M, com o mesmo objectivo.
Em declarações ao DIÁRIO, o parlamentar social-democrata esclareceu que a sua decisão em ouvir o requerimento do comunista deveu-se ao facto de o mesmo poder dizer respeito a “qualquer coisa que não desse azo a discussão e a votação”, dando como exemplo o exercício do direito potestativo. “Se assim fosse, não seria sujeito a votação, e já ficava registado, sem qualquer problema”, notou.
No caso em apreço, “como a apresentação de qualquer requerimento tem de ser fundamentada, e depois discutida, e depois tem de ser votada, não podia fazer naquele momento. Ficou registado como requerimento oral e fará parte da ordem de trabalhos da próxima reunião ordinária da Comissão”, sustentou Adolfo Brazão, adiantando que esse encontro deverá ser agendado para a próxima semana.
O presidente da Comissão ressalva que em causa esteve apenas uma questão processual, admitindo que “não ficava bem”, começar “uma discussão”, quando estavam perante uma pessoa convidada, no caso, o empresário Avelino Farinha.
Quanto à dúvida de procedimento perante um pedido potestativo, o deputado que coordena os trabalhos nota que, nesse cenário, não havia lugar a discussão ou a votação, pelo que o processo seria mais rápido.
Adolfo Brazão reconhece que o Regime Jurídico das Comissões Parlamentares de Inquérito da Assembleia Regional da Madeira (Decreto Legislativo Regional n.º 23/2017/M) é “muito omisso em relação a muitas situações, nomeadamente a vivida ontem, pelo que “muitas vezes se aplicam as regras normais processuais, de um processo qualquer. No fundo, quase que se pode aplicar, por analogia, as regras de um processo civil ou criminal”.
O requerimento, quando é apresentado, obriga, não só à votação, mas também à sua discussão e alegações de cada grupo parlamentar presente, o que “não tinha ali cabimento nenhum”. Reconhece, por isso, que a decisão acaba por ser sua, “por entender que formalmente estava incorrecto”, mais não seja, por “passar à frente de um requerimento, formal, esse sim, bem feito, pelo Partido Socialista”. O presidente da Comissão chega mesmo a questionar se, em causa, não estaria, inclusive “falta de ética” para com o PS.
O DIÁRIO tentou, ao longo da tarde de hoje, ouvir Ricardo Lume, mas sem sucesso. Ainda assim, ontem, na sequência da decisão do presidente da Comissão em adiar a votação do requerimento apresentado, o comunista ainda questionou a legalidade dessa decisão, colocando em causa o porquê da distinção, comparativamente a um requerimento apresentado ao abrigo do direito potestativo.
Em causa está, pois, o adiamento da votação, não a aceitação do requerimento propriamente dito. Uma vez que o referido Regime Jurídico das Comissões Parlamentares de Inquérito é omisso, por aproximação, deveria ser seguido o Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que, no n.º 4, do artigo 94º, refere que “Admitidos os requerimentos, sobre o funcionamento da reunião, os mesmos são imediatamente votados sem discussão”, mas dois pontos adiante nota que “Os requerimentos respeitantes ao processo de apresentação, discussão de qualquer assunto, são votados nos termos do n.º 3 do artigo 74.º” e que “A votação dos requerimentos é feita pela ordem da sua apresentação”.
A situação em apreço é verdadeira, podendo o requerimento do deputado comunista ter sido votado ontem mesmo, não configurando essa decisão qualquer falta perante os regulamentos. Assim, é verdade que o requerimento poderia ter sido votado e não o foi por decisão do presidente da Comissão, o que não é necessariamente irregular por o regimento ser omisso nessa matéria.