Não fazes mais do que o teu dever
Vivemos num mundo competitivo. Diariamente são-nos feitas exigências, a nível familiar ou profissional. Temos que fazer tudo bem em prazos apertados. Corremos para dar conta do que nos pedem. E, muitas vezes, sentimos como se não tivéssemos feito o suficiente. Os elogios são raros, já as críticas correm à velocidade da luz. À mais pequena falha, somos chamados/as à atenção. Habituamo-nos a agir em prol do que os/as outros/as querem. Tantas vezes vivemos em piloto automático, deixando de visualizar um propósito no que fazemos. Não estamos a fazer mais do que o nosso dever… será mesmo assim?
No caso das mulheres, a coisa torna-se mais complicada. Através de gerações fomos herdando papéis que não deveriam, necessariamente, nos ser atribuídos em todas as situações. Somos as cuidadoras, de filhos/as e/ou de familiares; não importa se não temos jeito, se não estamos bem, se não queremos. Temos que ser, e ponto final. Se a coisa descamba, culpabilizamo-nos porque, na realidade, somos “as responsáveis”. Se desempenhamos o nosso papel com êxito, bom, não fizemos mais do que devíamos, certo? E dizemo-lo a nós mesmas, diariamente, exigindo mais e mais de nós, e esquecendo o autocuidado. “Tem que ser, a vida é assim.” – Oiço tantas mulheres a dizê-lo.
Ao mesmo tempo, às vezes inconscientemente, desvalorizamos quando os homens fazem a sua parte, criticando quando executam alguma tarefa, porque “não ficou bem feito”, em vez de elogiar a iniciativa. Como mães, também tendemos, às vezes, a “proteger” os rapazes e a sobrecarregar as raparigas, porque está enraizado, mesmo que nos consideremos feministas, ou seja, defensoras da igualdade de direitos e oportunidades entre mulheres e homens.
E vamos vivendo nesta espiral, onde os elogios ficam, muitas vezes, reservados a quem compete e ganha prémios, a quem fica num quadro de mérito, a quem ocupa um cargo de topo, a quem tem mais “gostos e seguidores”. Já outras conquistas, ditas “menores”, são, muitas vezes, ignoradas, ou substituídas por avaliações subjetivas e superficiais ao corpo, à beleza, à idade, à forma de vestir, etc., feitas, não só mas também, por muitas mulheres. Porque somos tão exigentes umas com as outras, se há tanto por fazer?
Às mulheres, em Portugal, é ainda mais difícil subir a escada da carreira. Ganham menos 13,3% (2022) do que os homens para trabalho igual. Gastam o dobro do tempo diário nas tarefas domésticas. São mais vezes encarregadas de educação, são a maioria dos cuidadores informais, são as mais desprotegidas a nível social, e são ainda discriminadas no acesso ao emprego se decidirem ser mães.
Se não queremos que as raparigas e os rapazes herdem os mesmos padrões e rótulos, comecemos por fazer a diferença hoje. Sejamos incentivadores/as, para que as próximas gerações sejam boas no que escolherem fazer na vida, mas, acima de tudo, mais humanas e empáticas. Que aprendam a partilhar responsabilidades e a elogiar sem vergonha. Que sejam menos competitivas e mais cooperantes, e que respeitem as diferenças. Para que a Humanidade possa dar, finalmente, um salto evolutivo.