As instituições Família e Igreja não são o que idealizamos
A atriz Melânia Gomes falou no ‘Alta Definição’ na SIC, sobre a sua traumática experiência individual, como vítima de abuso sexual. Aconteceu num contexto familiar, num círculo de pessoas confiáveis e credíveis. Numa acção de coragem, com o intuito de propagar a empatia e a denúncia (sempre), disse que os pedófilos retiram para sempre a alma de uma pessoa, no início em que só se é uma criança. Um pedido de desculpas não atenua nada. Há actos perversos que não se devem nem relativizar nem perdoar.
Perante situações críticas, abomináveis ou de limite é óbvio para qualquer um de nós, a dificuldade em tomar decisões consequentes, pragmáticas e pedagógicas. Mas nada deve ser intocável ou isento de crítica, em contexto algum.
No contexto da Igreja, a tomada de decisões tem sido ainda mais difícil e maniatado, pelo perfil do grupo de pessoas, de crentes ou religiosos que foram formatando a sua formação com a leveza e condescendência na fé que tudo na espécie humana é maravilhoso, doce e terno.
Agem quase sempre, como se estivessem sob o efeito de ansiolíticos ou se a qualquer momento, mesmo num cenário apocalíptico, teimassem em colocar as suas lentes adulteradas para só ver os ‘jardins paradisíacos’ que efabularam.
“Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas”. E perante as criancinhas (sem poder de decisão ou discernimento) os ímpetos e desejos humanos crescem, processam-se e desembocam em parafilias.
Havendo um só destes casos, em qualquer espaço familiar ou comunitário seria intolerável. Haver tantas manifestações destas nas instituições religiosas, é um fenómeno extremamente patológico?! Sem qualquer dúvida.
Continua a faltar a toda a comunidade, uma verdadeira e exigente educação pessoal, sexual, afetiva e ética. À comunidade religiosa ou clerical mais ainda. Necessitam de abrir-se e assumir as diferentes identidades das suas próprias manifestações da sexualidade. Há muitos estudos que indiciam as diversas consequências, o desnorte e défices de desenvolvimento psicossocial e afetivo quando a componente sexual/íntima (estruturante na integral formação do indivíduo), não é naturalizada, valorada, recriada e expressa.
Não basta ser amado profundamente por um deus e desejar uma abstração.
Esta dificuldade de perante problemas reais, tomarem decisões pragmáticas, é o que está acontecendo com a desorientação atual do clero católico (inepto e deficitário nas questões corpóreas), perante os abusos sexuais que acontecem, aconteceram (e continuarão a acontecer, se estruturalmente nada for feito) na instituição religiosa e nos contextos familiares que tanto idealizaram.
Como só estão habituados a lidar com o 'amor' açucarado, inconsequente, em discursos mimosos e meigos ou vozes serenas e monolíticas, colapsam perante a realidade da natureza humana, na sua manifestação mais vil, primitiva e maléfica.
E com tudo isto a acontecer, (a acontecer há muito tempo), o que mais importa é festejar de todas as formas gloriosas e exacerbadas os dez anos do pontificado do Papa Francisco. Também este Papa, não deveria ser tudo nem ter o poder de resolver tudo, mesmo quando não muda radicalmente o que deveria mudar, numa instituição em que ser Papa é ser soberano absoluto.
Laíz Vieira