Crónicas

A Confraria dos Pândegos

1. Disco: Tenho alguns álbuns dos U2 como fazendo parte dos meus favoritos de sempre. Este último, “Songs Of Surrender”, faz justiça ao nome: é uma rendição. Uma rendição à necessidade de fazer prova de vida, uma rendição ao querer ganhar mais uns patacos, sem muito trabalho. Hoje, assumam isto como uma não recomendação.

2. Livro: perceber o mundo, é procurar saber como as relações entre os países se faz. É procurar saber, um pouco, dos relacionamentos que a geopolítica urde. “Na Cabeça de Xi”, de François Bougon, é um livro imprescindível. Saber do que a China pensa, entrando na cabeça do seu presidente, porque é impossível, hoje, separar uma coisa da outra.

3. Tenho o máximo respeito pela SEDES. Pela sua história, pelo que deu ao país, por quem por lá passou, por alguns dos que lá andam, pela sua capacidade de intervenção… quando quer. Mas estou longe de pensar que é uma “vaca sagrada”.

Formada em 1970, tem sido um “think tank” dedicado ao humanismo, ao desenvolvimento, ao conhecimento e à democracia. Grupos de trabalho sobre os mais diversos assuntos, debates, publicações, congressos, encontros, conferências, etc., teve, e ainda continua a ter, uma importantíssima intervenção no caminho que percorremos para aqui chegar.

Fui, por duas vezes, convidado para participar nos eventos ligados à instalação da organização na Madeira. Não compareci na primeira, por impossibilidade de agenda, e não fui a esta, porque li bem o enredo. Não me enganei. E acreditem que lamento que assim tenha sido.

No passado sábado a SEDES inaugurou na Madeira as suas instalações. Teve direito a Presidente da República, a Presidente do Governo, a Presidente da Câmara do Funchal, A Presidente da organização. Andavam também por lá figuras do PS e do CDS Madeira. Tudo isto constitui o seu “core business”: o centrão dos interesses. Ou seja, entre socialistas laranja, socialistas rosa e esquerdinha light, montou-se um “forrobodó” de alto gabarito.

Na cerimónia pós-inauguração, que ocorreu com toda a pompa e circunstância na Assembleia Legislativa Regional, o Presidente da SEDES afirmou que o trabalho de Alberto João e de Miguel Albuquerque foi “absolutamente extraordinário”. Foi nesse momento que me arrependi de não ter ido. Transportarei esta frustração pelo resto da minha vida. Se lá estivesse tinha arrastado a cadeira sonoramente para trás ao levantar-me para sair daquela caldeirada. O Dr. Álvaro Beleza, que vem à Madeira desde os seus 12 anos, é um pândego. Conseguiu dizer as aleivosidades que disse sem rir e a olhar para o seu camarada socialista Sérgio Gonçalves, líder da oposição, que aguentou as alarvidades bajuladoras estoicamente. Digo “estoicamente” porque, do pouco que conheço do líder do PS Madeira, não creio que seja masoquista.

Ao ouvir seraficamente as palavras do Dr. Beleza, sem qualquer reacção aparente, para mim valendo o pouco que vale, Sérgio Gonçalves deixou de ser o líder da oposição na Madeira. É só mais um, nesta Confraria dos Pândegos em que se transformou a política regional, e que a extensão da SEDES tão bem demonstra.

Então as quatro bancas rotas que o PSD Madeira ofereceu aos madeirenses e aos portugueses?

Então e as inutilidades aldrabonas (reconhecidas como tal por alto quadro do PSD), construídas desnecessariamente?

Então os heliportos do Porto Moniz e do Hospital Dr. Nélio Mendonça; o projecto “inovador” das algas; a lota fechada do Porto Santo; o inútil Centro de Artesanato, que já foi de tudo; a ciclovia da ilha dourada toda escaqueirada; a Lagoa do Santo; o Estádio de Desportos de Praia, o Penedo do Sono e o “Karting”; o Porto do Porto Santo que não consegue dar vazão a mais do que um navio de cada vez; a urbanização do campo de golfe desenhado por Balesteros; a Fábrica das Moscas na Camacha; o Fórum Machico; o Edifício da Ribeira da Boa Ventura; as mangas e lojas do Porto do Funchal; as construções feiosas no Parque Urbano de São Vicente, desde sempre fechadas; a inenarrável Marina do Lugar de Baixo; as piscinas que nasceram como cogumelos e, a maioria delas, com inúmeros problemas; os brutais parques empresariais; as mais do que falidas Sociedades de Desenvolvimento; o mercado municipal do Porto Santo; o Laboratório Veterinário da Madeira; o edifício para o tratamento de resíduos hospitalares; o estaleiro do Caniçal; o Porto de Recreio de Santa Cruz; a cabeceira do Aeroporto; o Cais 8; o quebra-mar poente da Ribeira Brava; o cais do Faial; o dinheiro deitado fora, com claríssimos propósitos eleiçoeiros, com o “ferry” para Lisboa, que era para durar três anos e só durou dois; milhões e milhões de euros gastos em verdadeiras inutilidades.

E os monopólios? A hemodiálise; o “ferry” do Porto Santo; a operação do Porto do Caniçal; a energia; os aeroportos; a radiologia; as inspecções automóveis. Para nem referir o quase monopólio da informação por parte dos partidos com representação parlamentar.

E o monopsónio da banana?

O oligopólio dos transportes marítimos?

E enquanto isto, ao fim de 40 e muitos anos de Autonomia, o que esta gente nos trouxe é o da região portuguesa onde o risco de pobreza é o maior. E ninguém com responsabilidades se envergonha com isto.

Repito-me: tudo se constrói, tudo se faz, baseado no “achismo”. Nada se realiza apoiado em estudos de custo/benefício; “calls for interest” e “impact assessments” são coisas para inglês se preocupar; orçamentos e análises SWOT umas ferramentas inúteis; custos de manutenção para quê?; tudo feito em cima do joelho, pois o que interessa é a inauguração, esse momento maior do “fazer coisas”, mesmo que porcarias desnecessárias.

Alberto João Jardim, quase no final dos seus mandatos, mandou publicar uma obra em 16 volumes — que custou uns milhares ao erário — chamada “RES NON VERBA”, onde estão averbadas todas as inaugurações que fez. Está lá tudo e mais alguma coisa. Mais de 4800 entradas, para gáudio das empresas que produziam as chapas com a frase “Inaugurado pelo Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira, Dr. Alberto João Jardim”. Fosse eu um dia, coisa que nunca serei, presidente do Governo e o primeiro que decretaria seria o retirar dessas placas todas. AJJ, se pudesse, até o trânsito intestinal inauguraria. Com uma grande espetada no final, aberta a todos.

E as perseguições políticas? E o “mobbing” laboral em cima de quem, na função pública, se atreve a dizer que o Rei vai nu? E a protecção aos grupos económicos criados pelo regime? E as fortunas que nasceram como cogumelos, entre os apaniguados do PSD? E o nepotismo e o amiguismo? E a percepção de corrupção que todos têm? E o partidarismo proteccionista do cartão laranja? E a complacência do Partido Socialista, mais preocupado com as digestões internas do que em fazer oposição a sério e com credibilidade?

Álvaro Beleza que vá dar banho ao cão. Nada disto me admira. Seria de esperar outra coisa de um socialista? Não têm eles a enorme habilidade de se elogiarem reciprocamente?

Quando digo que o PSD e o PS são as duas faces da mesma moeda, há sempre quem venha e diga que não. Que não são. Que diferentes... Vê-se. São duas faces da mesma moeda, que conseguem até andar de mão dada.

Lá para Setembro, ou Outubro, teremos eleições regionais. Não se esqueçam de escolher entre o mesmo e o mais do mesmo.

Ou não vivêssemos numa verdadeira “CONFRARIA DOS PÂNDEGOS”.