Mundo

Repressão policial trava marcha pacífica e gera caos nas ruas de Maputo

None
Foto Lusa

A polícia imobiliza um jovem, mete-o na caixa de carga de uma carrinha e um agente à paisana bate-lhe inúmeras vezes com um cassetete, no centro de Maputo.

Um vendedor num jardim público enrola um lenço para cobrir a cabeça a sangrar, depois de polícias entrarem no espaço e o levarem na frente, sem explicação, enquanto procuravam jovens com cartazes e palavras de ordem.

"Vieram me bater quando estava aqui, parado. Bateram-me e foram embora", queixa-se o homem.

Mais à frente, uma mulher chora a dizer que só ia a passar na rua, quando polícias a encostam ao carro por causa de algo que terá dito -- empurrando-a depois para se ir embora, num pranto.

"Arrastaram-me de qualquer maneira para me meter no carro. Onde estamos afinal? Isto é muito triste. O Governo deve olhar para nós", diz por entre o choro.

Pelo meio, gás lacrimogéneo continuou a ser disparado, desde as 08:00 (06:00 em Lisboa) até final da manhã contra a multidão desarmada, contra jornalistas e atingindo transeuntes e a normal circulação automóvel do centro da cidade, com epicentro na estátua de Eduardo Mondlane.

A repressão policial de uma marcha pacífica de homenagem ao 'rapper' do povo, Azagaia - que a organização tinha preparado com acordo das autoridades - conduziu hoje à contestação popular e à violência de vários agentes.

"Povo no poder", título de um dos temas mais conhecidos do 'rapper do povo', falecido há uma semana, foi a expressão mais vezes repetida hoje nas ruas de Maputo.

Quitéria Guirrengane, uma das organizadoras da marcha, fala também do uso de balas de borracha, que terão ferido pelo menos uma pessoa nos olhos, e denuncia detenções.

"Nós só viemos comemorar o mano Azagaia", refere um dos jovens da marcha que não chegou a arrancar, mas cujos participantes se reagrupavam uma e outra vez em diferentes esquinas, sempre até surgir a polícia e correrem para outro local.

Augusto Pelembe, deputado do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), partido da oposição, foi detido durante algumas horas ao início do dia.

"O comandante da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) olhou para mim, reconheceu-me e meteu-me no carro da polícia", sem explicações, relatou mais tarde aos jornalistas, ao lado de participantes da marcha.

"É simples: se eles governassem bem, nós não estávamos aqui", acrescentou, dizendo que a repressão só acontece "porque eles sabem que não estão a governar bem", dirigindo-se ao governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo).

Outras detenções estão a acontecer noutras cidades do país que também deviam acolher marchas de homenagem a Azagaia, disse no mesmo local, Lutero Simango, presidente do MDM.

"O nosso delegado provincial em Gaza está numa esquadra", ilustrou.

"Esta atitude deve ser condenada: estamos a presenciar um terrorismo de Estado, que deve ser condenado. Os moçambicanos, em particular a juventude, têm direito de se manifestar", disse.

"Nos não queremos ir para a violência", referiu, em forma de apelo a todos, em especial às autoridades: "A polícia de Moçambique tem de parar com a violência", concluiu.

Os distúrbios continuaram até ao final da manhã nalgumas ruas do centro de Maputo, entre as avenidas Eduardo Mondlane e 24 de Julho, seguindo-se uma dispersão dos participantes na marcha, mas mantendo-se um dispositivo policial nas ruas.