O bom, o mau e o D. Sebastião
Fernando Medina limitou-se a trocar o valor absoluto da dívida pelo valor relativo. E trocou a verdade por uma rasteira
A subida triunfante de Fernando Medina ao palco, deixava adivinhar um anúncio extraordinário. E assim foi. A dívida pública nacional registou uma descida “impressionante” de 12 pontos percentuais. A redução da dívida para 113,8% do PIB, em 2022, é um recuo para valores pré-pandemia e pré-troika. O anúncio de Medina revela, também, níveis extraordinários de pré-vergonha, ou seja, da sua falta gritante. Na verdade, em 2010, a dívida pública absoluta era de quase 180 milhões de euros. Em 2022, ultrapassou os 270 milhões. Mais 90 milhões de euros. Afinal, Medina limitou-se a trocar o valor absoluto da dívida pelo valor relativo. E trocou a verdade por uma rasteira.
O bom: Carmo Evans
Da Ponta do Sol até à Ponta do Sol. E, pelo meio, uma volta à ilha a pé. Foi esse o desafio lançado por Carmo Evans, para chamar à atenção para a doença de Crohn e para a colite ulcerosa, doenças inflamatórias que atingem o tubo digestivo. Ao longo de 200 quilómetros de aventura, registados numa belíssima reportagem fotográfica deste Diário, a Carmo relembra-nos de como as causas nobres são multiplicadoras de solidariedade desinteressada e de entre-ajuda inesperada. Desde o SANAS que colaborou no transporte do Cais do Sardinha até ao Centro de Salvamento Costeiro, a quem no Porto Moniz disponibilizou alojamento para pernoitar entre etapas do desafio ou aos muitos que, simplesmente, decidiram juntar-se à caminhada por alguns metros e ofereceram o alento da sua companhia. Há, na aventura de Carmo Evans, uma simplicidade que nos desarma e um propósito que nos inspira. É difícil imaginar o peso de um diagnóstico de uma doença inflamatória crónica, a vertigem de uma incapacidade elevada e o estigma que tantas vezes lhe está associado. É contra essa ignorância que caminha a Carmo. Haverá algo mais genuíno do que caminhar por uma causa?
O mau: A Igreja e os abusos
Não tenho por hábito regressar a temas já aqui abordados, mas a espiral de inconsequência e a falta de clareza em que a Igreja insiste em se afundar obrigam-me a nova achega. Primeiro, as perguntas. Quem é esta Igreja que considera insultuoso para as vítimas de abusos falar em indemnizações? De que é feita esta Igreja que se esconde na penitência católica para fugir à inquisição judicial? De que lado está a Igreja que insiste em manter ao serviço padres suspeitos da prática de crimes? Não sei. Essa é a conclusão a que chego, e a que muitos chegaram, depois de ouvir uma corte de bispos a ziguezaguear entre o divino e o terreno para justificar a inação a que assistimos. Não sei que Igreja é esta - calculista, gestora de silêncios e vazia de compaixão. Não sei que bispos são estes que se esquecem de participar na comissão que investigou os abusos e que continuam mudos para o encobrimento institucionalizado de crimes contra crianças. Não sei que conferência episcopal é esta cuja única medida concreta foi a construção de um memorial de duvidosa pertinência. Também sei que há, poucas mas honrosas, exceções à apatia clerical. Os bispos de Angra e Évora afastaram, preventivamente, os padres identificados pela comissão independente. Mas o que deveria ser expectável, decidido sem tibiezas pela Conferência Episcopal, foi deixado à vontade e ao critério de cada bispo. Em vez da clareza que se exigia, nas medidas preventivas e no pedido de perdão, continuamos a ter uma conferência episcopal transformada em sindicato de bispos e convencida que, de alguma forma, a Igreja está acima dos abusos praticados pelos seus ministros. Esta é a mesma Igreja que, em Agosto, propõe-se a festejar com a juventude. Resta saber se haverá razão para o festejo.
O D. Sebastião: O próximo Presidente da Assembleia
Não virá, numa manhã de nevoeiro, para livrar a Madeira dos infortúnios. Mas o facto de, a seis meses das eleições, falar-se mais sobre o próximo Presidente da Assembleia Legislativa do que sobre o resultado eleitoral é sintoma do momento político que vivemos. Entre uma oposição autofágica e uma maioria cuja continuidade parece assegurada pelas sondagens, sobra espaço para discutir, ainda que a destempo, quem tomará a liderança da Assembleia. A discussão parte, no entanto, de um equívoco acerca das competências do cargo. O Presidente da Assembleia tem, essencialmente, funções entre os seus pares - a gestão dos trabalhos, a assinatura de diplomas e a representação da Assembleia. Por isso, o critério para a sua escolha só pode ser o da representatividade parlamentar. Nunca o da gratidão pessoal, da popularidade ou da proximidade, como agora se convencionou chamar. Propõe um candidato a Presidente, o partido que tem a maioria dos deputados para o eleger. E se não a tiver, fará – como fez o PSD em 2019 – os acordos e as concessões necessárias para consegui-la. De uma ou de outra forma, o Presidente da Assembleia é, sempre, o reflexo da maioria que o elegeu. Antes de ser sobre pessoas, a escolha do candidato a Presidente da Assembleia é sobre uma determinada circunstância política. Necessariamente, pós-eleitoral. Se, aí chegados, o PSD contar com a maioria dos deputados eleitos não haverá justificação para que não eleja um dos seus parlamentares como Presidente da Assembleia. Qualquer outra opção corre o risco de um – evitável – vexame parlamentar. Já se esqueceram da eleição falhada de Fernando Nobre?